sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Histórias de Vida XII - "Pãe" por Andreas.



Minha gravidez foi muito tranqüila, se é que se pode dizer isso de um homem transexual.

Aos 13 anos, eu já sentia que não pertencia aos padrões comportamentais das garotas da minha idade e nem seguia as mesmas preferências sexuais. Foi nessa época que eu realmente comecei a me interessar por um gênero específico e, para estranheza dos meus pais, não era o masculino.

A descoberta do rótulo TRANSEXUAL veio após o casamento. Juntar as peças do quebra-cabeça foi fácil: eu me sentia atraído por mulheres, detestava penetração, queria que o corpo do meu marido fosse o meu, era puramente racional e pouco emocional.

Eu sabia que um dia precisaria assumir o que eu realmente era, mas essa decisão teria de ser postergada por conta do filho que eu queria ter e, que fosse através dos métodos normais. Nada de inseminação artificial, oras. Eu tinha uma saúde perfeita, órgãos internos e externos compatíveis, só a cabeça pensava como a de um homem. Resolvi encarar, mesmo porque queria que meu filho tivesse meu sangue.

Fechei os olhos para mim por 9 meses.

Procurei não pensar no meu corpo ou em como ele estava ficando. Resolvi me preocupar com a saúde da criança e esquecer de mim.

A barriga foi crescendo aos poucos. Não tive problemas com enjôos, fraquezas ou desmaios. Às vezes, eu sequer me lembrava que estava “grávido” se não fosse o tamanho da barriga.

Quando meus seios começaram a crescer, eu me preocupei imaginando que fossem permanecer daquela forma arredondada, cheios, já que antes da gravidez, eles não eram nem expressivos.

Um mês antes de dar a luz, pedi licença-maternidade para poder descansar porque a barriga estava muito grande e eu ficava constantemente cansado. Fiquei em casa e aí veio a piração.

Eu não me ocupava, assistia TV o dia inteiro ou ficava no computador procurando informação sobre transexualidade. Caí na besteira de começar a buscar fotos de outros transexuais para saber como meu corpo se transformaria com hormônios e cirurgias. Veio a tristeza, a depressão. Vi que estava muito longe do que queria ser. Vi que teria de mudar muita coisa em mim, fazer várias cirurgias, tomar hormônios e que uma criança estava para chegar.

Concentrei-me na minha filha, a razão de eu ter me anulado por quase 30 anos, meu desejo mais absoluto.

Vivi a mãe, puramente. Amamentei, dei carinho, banho, trocava fralda e dei muito, muito carinho para a minha filha.

Ela era eu, 30 anos atrás. Os mesmos traços, a mesma cor do cabelo ondulado, a mesma angulação do queixo, a mesma cor e o formato dos olhos, o mesmo sorriso. Meu sangue!

Quando ela fez um ano, tomei a decisão que mudaria minha vida, que me faria uma pessoa completa. Já era “50%” feliz. A outra metade era a adequação. A necessidade de ver músculos, barba e pênis. A imagem que um homem, como eu sentia que era.

No entanto, prometi que nunca deixaria de fazer o papel de mãe para ela. Eu a protegeria, compareceria em todas as situações, mas também queria o papel de pai.

Quando ela começou na escola, apresentei-me para a Diretora e Professores, explicando a situação. Graças a Deus, todos foram muito compreensivos e me tratam pelo meu nome social, Andreas.

Aliás, fato interessante. Escolhi um nome com duplo sentido, justamente para não constranger minha filha na hora do “qual o nome da sua mãe?”.

Ela? “Minha mãe é um cara e tenho muito orgulho dele. Ele é bonito, engraçado, trabalha muito, faz tudo que pode para me dar conforto, me leva para passear e conhecer coisas novas. Conheço um monte de amigos dele, todos como ele e eles são muito legais.”

O poder de dar a vida a alguém, de gerar uma criança dentro do próprio corpo. O poder de produzir alimento, de garantir que uma vida recém-criada continue. O poder de gerar amor em proporções descomunais, de sentir-se pleno e realizado.

Eu tive esse poder e me orgulho muito disso!

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