09/05/2010 - 07h26
AUDREY FURLANETO
da Sucursal do Rio
M. está tomando anabolizantes para engrossar a voz e ter mais características masculinas. Tem apenas 21 anos, e algo já está definido: nasceu mulher, mas quer ser homem.
"Acho que a voz engrossou só um pouquinho", diz ao urologista Eloísio Alexsandro, 39. "Você deve abrir os ouvidos para as mudanças", ele responde.
M. conta que a família já o chama pelo nome masculino, e não pelo da certidão de nascimento. "Isso é muito bom", segue, atencioso, Alexsandro.
Ele atende 129 transexuais inscritos num programa que dura cerca de dois anos e tem a cirurgia de transgenitalização (tecnicamente, a mudança da genitália) como ápice.
No programa, chamado Grupo de Atenção Integral à Saúde das Pessoas que Vivenciam a Transexualidade, M. é minoria. Dos 129 pacientes, 116 querem fazer a cirurgia para trocar o pênis por uma neovagina.
Às quartas-feiras, das 8h às 13h, Alexsandro recebe os pacientes no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, zona norte do Rio, o mais forte dos quatro centros (Rio, SP, Goiânia e Porto Alegre) que realizam o processo gratuitamente, pelo SUS, no país.
Às 11h, cabelos longos avermelhados, a longilínea J. entra no ambulatório. Foi operada em abril de 2009 e segue no programa -Alexsandro faz questão de saber se a nova genitália funciona bem, como vai a vida sexual da paciente, se está satisfeita com o resultado etc.
"Terminei com aquele, mas já tô namorando outro, doutor!", conta J.. "Não contei que sou trans. Disse que nasci hermafrodita e, por isso, meu nome na identidade é diferente."
O médico diz a ela que deve dar entrada no processo para mudar de nome e de gênero nos documentos. "É difícil, mas não vou desistir", diz ela.
J. é uma das 47 "trans" operadas primariamente (há outras 13 que passaram por correção em cirurgias feitas fora dali) no programa que Alexsandro criou em 2003, após fazer a cirurgia de transexualização a pedido judicial -uma "trans" lutava pelo direito da operação e conseguira naquele ano.
Processo holístico
Alexsandro liga para a namorada a fim de conferir em qual novela da Globo houve personagem transexual. "As Filhas da Mãe" (2001) teve Cláudia Raia como Ramon -ou Ramona, depois da cirurgia.
O médico também lembra de um caso na literatura. Em "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, Alexsandro acredita que Diadorim, vestida de homem para vingar uma morte, remete à questão. No cinema, gosta de "Glen or Glenda" (1953), de Ed Wood.
O interesse multidisciplinar é a base do programa de transexualização: antes da cirurgia, o paciente é atendido por endocrinologistas, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. "O papel fundamental dos psicólogos é na saúde mental.
"Quando chega a mim, não dá simplesmente para fazer a cirurgia e devolver. Não é industrial. Tem que ouvir histórias, participar, saber o momento. A questão é mais profunda, holística."
Sua experiência permite avaliar as transformações das transexuais no país. "Hoje, a transexual brasileira é mais exigente. Ela quer uma genitália que funcione, que permita usar um biquíni menor, que permita a depilaçãozinha tradicional brasileira. Tive que adaptar muita coisa do que aprendi para a demanda das pacientes", conclui.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u732398.shtml
AUDREY FURLANETO
da Sucursal do Rio
M. está tomando anabolizantes para engrossar a voz e ter mais características masculinas. Tem apenas 21 anos, e algo já está definido: nasceu mulher, mas quer ser homem.
"Acho que a voz engrossou só um pouquinho", diz ao urologista Eloísio Alexsandro, 39. "Você deve abrir os ouvidos para as mudanças", ele responde.
M. conta que a família já o chama pelo nome masculino, e não pelo da certidão de nascimento. "Isso é muito bom", segue, atencioso, Alexsandro.
Ele atende 129 transexuais inscritos num programa que dura cerca de dois anos e tem a cirurgia de transgenitalização (tecnicamente, a mudança da genitália) como ápice.
No programa, chamado Grupo de Atenção Integral à Saúde das Pessoas que Vivenciam a Transexualidade, M. é minoria. Dos 129 pacientes, 116 querem fazer a cirurgia para trocar o pênis por uma neovagina.
Às quartas-feiras, das 8h às 13h, Alexsandro recebe os pacientes no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, zona norte do Rio, o mais forte dos quatro centros (Rio, SP, Goiânia e Porto Alegre) que realizam o processo gratuitamente, pelo SUS, no país.
Às 11h, cabelos longos avermelhados, a longilínea J. entra no ambulatório. Foi operada em abril de 2009 e segue no programa -Alexsandro faz questão de saber se a nova genitália funciona bem, como vai a vida sexual da paciente, se está satisfeita com o resultado etc.
"Terminei com aquele, mas já tô namorando outro, doutor!", conta J.. "Não contei que sou trans. Disse que nasci hermafrodita e, por isso, meu nome na identidade é diferente."
O médico diz a ela que deve dar entrada no processo para mudar de nome e de gênero nos documentos. "É difícil, mas não vou desistir", diz ela.
J. é uma das 47 "trans" operadas primariamente (há outras 13 que passaram por correção em cirurgias feitas fora dali) no programa que Alexsandro criou em 2003, após fazer a cirurgia de transexualização a pedido judicial -uma "trans" lutava pelo direito da operação e conseguira naquele ano.
Processo holístico
Alexsandro liga para a namorada a fim de conferir em qual novela da Globo houve personagem transexual. "As Filhas da Mãe" (2001) teve Cláudia Raia como Ramon -ou Ramona, depois da cirurgia.
O médico também lembra de um caso na literatura. Em "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, Alexsandro acredita que Diadorim, vestida de homem para vingar uma morte, remete à questão. No cinema, gosta de "Glen or Glenda" (1953), de Ed Wood.
O interesse multidisciplinar é a base do programa de transexualização: antes da cirurgia, o paciente é atendido por endocrinologistas, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. "O papel fundamental dos psicólogos é na saúde mental.
"Quando chega a mim, não dá simplesmente para fazer a cirurgia e devolver. Não é industrial. Tem que ouvir histórias, participar, saber o momento. A questão é mais profunda, holística."
Sua experiência permite avaliar as transformações das transexuais no país. "Hoje, a transexual brasileira é mais exigente. Ela quer uma genitália que funcione, que permita usar um biquíni menor, que permita a depilaçãozinha tradicional brasileira. Tive que adaptar muita coisa do que aprendi para a demanda das pacientes", conclui.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u732398.shtml
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