Datam de 1530 os primeiros relatos de colonizadores europeus dando conta da existência de gêneros alternativos na maioria dos povos nativos norte-americanos. Embora as inúmeras variantes e peculiaridades dos gêneros alternativos identificados pelos europeus, seus representantes foram genericamente denominados de berdaches, vocábulo provavelmente derivado de bardaj, termo utilizado na Pérsia para designar homens afeminados e parceiros sexuais passivos.
Sociologicamente o berdache poderia ser descrito como uma solução elegante e generosa para acolher indivíduos desadaptados à dualidade masculino/ feminino. Contudo, muito além de solução respeitosa para o possível impasse institucional criado por homens considerados “covardes”, relativamente aos padrões de gênero vigentes na tribo, os berdaches constituíram um segmento de pessoas tidas como abençoadas pelos deuses.
Por serem, ao mesmo tempo, macho e fêmea e, portanto, estarem mais completos e equilibrados do que um macho ou fêmea isoladamente, os nativos americanos acreditavam (e seus remanescente ainda acreditam largamente) que a identidade berdache fosse o resultado da intervenção de forças sobrenaturais, de onde viriam seus “poderes especiais”, mito sancionado pela mitologia tribal, que os tornou conhecidos como “possuidores de dois espíritos”.
Os berdaches sobreviveram até hoje em muitas comunidades nativas norte-americanas devido à sua importância dentro da tribo, onde sempre desempenharam, dentre outros, os papéis de aconselhadores espirituais, médicos, adivinhos e xamãs. Embora isso já não seja mais tão comum hoje em dia, no passado os berdaches masculinos podiam também desempenhar papéis dentro do grupo familiar, atuando como esposas dos guerreiros, posição social em que recebiam o mesmo tratamento dado às mulheres casadas.
Berdaches masculinos foram localizados em mais de 155 tribos norte-americanas. As únicas exceções documentadas foram os Apaches e Comanches. Em aproximadamente um terço desses grupos, um gênero alternativo também existiu para fêmeas que desenvolveram um estilo de vida masculino, tornando-se caçadores, guerreiros e chefes. Elas também foram muitas vezes chamadas pelo mesmo nome de berdaches e às vezes através de um termo distinto, constituindo, dessa forma, um quarto gênero. Assim, “o terceiro gênero” geralmente refere-se a berdaches masculinos e às vezes a berdaches masculinos e femininos, enquanto “o quarto gênero” sempre se refere a berdaches femininos.
Em muitas culturas tribais, os xamãs mais potentes eram “indivíduos de dois espíritos”, como dá conta o testemunho de muitos pesquisadores em seus estudos de campo. Mesmo quando os xamãs não eram necessariamente “pessoas de dois espíritos”, os pesquisadores os descrevem como possuindo a marca da transgeneridade, além de terem orientação sexual basicamente homo ou bissexual. Nesses casos, a distinção entre o xamã e o berdache era semelhante à distinção entre um mago poderoso, capaz de conjurar as forças da Natureza e a de um sacerdote dedicado, um mediador, um líder dos rituais, um cuidador ou um “revelador de verdades”.
Os nativos das Américas não só toleravam como respeitavam a transgeneridade como uma manifestação sagrada. A homofobia e a transfobia foram trazidos para as Américas pelo colonizador europeu e sua moral judaico-cristã. Em virtude da sua crença religiosa, os europeus que vieram conquistar a América perseguiram os berdaches implacavelmente. Vasco Nunes de Balboa, por exemplo, ao descobrir alguns berdaches no lugar onde hoje fica o Panamá, lançou-os aos seus cães, para que eles os devorassem vivos.
Fonte: http://www.leticialanz.org/crossdressing_sagrado/berdaches.htm
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