Publicado em 22.02.2010 Márcio Claesen.
Dentre os vários e-mails que vocês leitores mandam diariamente ao ParouTudo, existem muitos que nos incumbem de desafios. Tanto em termos de jornalismo quanto de cidadania LGBT. Há cerca de duas semanas W.R., 29 anos, moradora de Brasília, nos escreveu contando as dificuldades que seu namorado, que é transexual, teve em achar um apartamento para alugar na capital. O seu relato era seguido de um desejo: que os homens trans tenham visibilidade para que, um dia, sejam respeitados. O site, claro, é imbuído desse valor, mas encontrar pessoas dispostas a mostrar a cara é difícil, respondemos a ela. Resultado: o casal aceitou ser ele mesmo o protagonista do que tanto sonhava.
Veja abaixo a conversa do ParouTudo com Paulo Pereira, 24 anos, tosador, morador de Curitiba, que conheceu W.R. através do Orkut. O casal está momentaneamente morando em cidades diferentes, mas por um grande motivo: juntar dinheiro para a mastectomia de Paulo. Inteligente e determinado, Paulo se sente pronto para ser, em todos os sentidos, o homem que ele já é internamente.
Por que você resolveu dar esta entrevista?
Porque os transexuais FTM (female-to-male, expressão em inglês que quer dizer fêmea para macho), dos quais faço parte, são pessoas desconhecidas pela sociedade. Na verdade, a grande maioria nem sabe o que significa um homem transexual e nunca ouviu falar nesse termo. Fico triste porque uma quantidade incrível de pessoas do nosso próprio meio - lésbicas, gays e bissexuais - não sabe quem somos. Imagine, então, quem não é do babado. Quero que o Brasil nos reconheça e nos respeite. Desejo, principalmente, que nossos direitos sejam iguais aos de todos. Aí está meu propósito.
É muito comum homens transexuais relatarem que, primeiramente, pensaram que eram lésbicas. Isso aconteceu com você? Como foi esse processo?
Sim, eu pensava que era uma lésbica muito masculina. Eu me vestia como homem, mas nunca passou pela minha cabeça que eu poderia estar enganado, confundindo gênero com orientação sexual. Fui descobrir que era transexual no início de 2009 quando conheci minha companheira. Ela me perguntou se eu sabia o que era "FTM" e me explicou tudo sobre o assunto. Foi assim que entendi que, na verdade, eu não era lésbica e, sim. um homem transexual heterosexual.
Como foi a reação da sua família no início do seu processo de transformação e descoberta como transexual? E como é hoje?
Descobri que gostava de meninas por volta dos 12 anos. Aos 15, meu pai descobriu e quase me matou. Fui me assumir mesmo para minha familia aos 18, como lésbica. Eles não aceitaram como eu gostaria. Levaram cerca de dois anos para meu pai me respeitar. Felizmente, quando descobri que era FTM, a pior parte já havia passado e meus pais já me aceitavam. Hoje, eles me dão apoio em tudo e agradeço muito a Deus por isso.
Qual foi sua primeira transformação externa como homem? O que isso significou para você?
Minha primeira transformação externa como homem foi aos 18 anos e continua a mesma até hoje. Eu me visto como homem, me comporto como homem e para mim isso é tudo! Não me sinto mulher em nada. Vestir-me e agir como realmente me sinto significa minha liberdade, pois já estou preso em um corpo que não é meu. Essa transformação, mesmo que ainda superficial, já me deixa mais aliviado.
Quanto às intervenções cirúrgicas e medicamentos que você precisa tomar, qual a sua situação hoje e qual o cronograma que você traçou? Em algum momento sente medo?
Meu tratamento é tudo que mais quero na vida! No momento, estou fazendo acompanhamento com um psicólogo especializado em transexualidade. Foi confirmada a disforia de gênero, ou seja, sou, de fato, um homem transexual. Em abril de 2010, vou começar o tratamento hormonal. Este andamento, na minha visão, é o melhor caminho a percorrer para um transexual. Primeiramente, as consultas psicológicas, aí o diagnóstico e, então, todo o processo de redefinição sexual, que se inicia com o tratamento hormonal com acompanhamento médico e, por fim, as cirurgias de readequação, cuja prioridade, no meu caso, é a mamoplastia. Ainda não penso em esterilizar-me. Não tenho medo algum. Estou disposto a tudo só para me sentir melhor e feliz com meu corpo.
Como você lida com o fato de você ter uma psique diferente do seu corpo físico?
Não é facil viver em um corpo que não é seu. Ter seios, não tirar a camisa, não poder andar de mãos dadas com a namorada, ter que usar cinta de compressão para disfarçar o volume, isso tudo é muito chato. Estou levando numa boa porque logo vou iniciar o tratamento hormonal e fazer minha cirurgia de retirada das mamas. É isso que me conforta.
Desculpa se parecer um lugar-comum, mas a primeira e talvez única ideia que as pessoas têm de um homem transexual é a do filme "Garotos Não Choram". Você assistiu a esse filme? De que forma ele te impactou?
Assisti ao filme com minha companheira. Fiquei chocado com o preconceito e com a maneira como tudo aconteceu. Para a sociedade, só os heterossexuais podem amar e ser felizes. Isso é rídiculo. Matar um ser humano porque ele é ou ama de forma diferente é absurdo. Esse filme denuncia a verdadeira sociedade em que vivemos.
Só para se ter um parâmetro, daqui a cinco anos como você quer estar?
Daqui a cinco anos quero estar fisicamente transformado. Quero estar casado com minha companheira, espero ter meu nome masculino em meus documentos e ser um médico veterinário. Quero ter a oportunidade de ser bem sucedido e feliz com minha esposa e filhos, vivendo plenamente como o homem que sou.
Fonte: http://www.paroutudo.com/materias/redacao/100222.php
Dentre os vários e-mails que vocês leitores mandam diariamente ao ParouTudo, existem muitos que nos incumbem de desafios. Tanto em termos de jornalismo quanto de cidadania LGBT. Há cerca de duas semanas W.R., 29 anos, moradora de Brasília, nos escreveu contando as dificuldades que seu namorado, que é transexual, teve em achar um apartamento para alugar na capital. O seu relato era seguido de um desejo: que os homens trans tenham visibilidade para que, um dia, sejam respeitados. O site, claro, é imbuído desse valor, mas encontrar pessoas dispostas a mostrar a cara é difícil, respondemos a ela. Resultado: o casal aceitou ser ele mesmo o protagonista do que tanto sonhava.
Veja abaixo a conversa do ParouTudo com Paulo Pereira, 24 anos, tosador, morador de Curitiba, que conheceu W.R. através do Orkut. O casal está momentaneamente morando em cidades diferentes, mas por um grande motivo: juntar dinheiro para a mastectomia de Paulo. Inteligente e determinado, Paulo se sente pronto para ser, em todos os sentidos, o homem que ele já é internamente.
Por que você resolveu dar esta entrevista?
Porque os transexuais FTM (female-to-male, expressão em inglês que quer dizer fêmea para macho), dos quais faço parte, são pessoas desconhecidas pela sociedade. Na verdade, a grande maioria nem sabe o que significa um homem transexual e nunca ouviu falar nesse termo. Fico triste porque uma quantidade incrível de pessoas do nosso próprio meio - lésbicas, gays e bissexuais - não sabe quem somos. Imagine, então, quem não é do babado. Quero que o Brasil nos reconheça e nos respeite. Desejo, principalmente, que nossos direitos sejam iguais aos de todos. Aí está meu propósito.
É muito comum homens transexuais relatarem que, primeiramente, pensaram que eram lésbicas. Isso aconteceu com você? Como foi esse processo?
Sim, eu pensava que era uma lésbica muito masculina. Eu me vestia como homem, mas nunca passou pela minha cabeça que eu poderia estar enganado, confundindo gênero com orientação sexual. Fui descobrir que era transexual no início de 2009 quando conheci minha companheira. Ela me perguntou se eu sabia o que era "FTM" e me explicou tudo sobre o assunto. Foi assim que entendi que, na verdade, eu não era lésbica e, sim. um homem transexual heterosexual.
Como foi a reação da sua família no início do seu processo de transformação e descoberta como transexual? E como é hoje?
Descobri que gostava de meninas por volta dos 12 anos. Aos 15, meu pai descobriu e quase me matou. Fui me assumir mesmo para minha familia aos 18, como lésbica. Eles não aceitaram como eu gostaria. Levaram cerca de dois anos para meu pai me respeitar. Felizmente, quando descobri que era FTM, a pior parte já havia passado e meus pais já me aceitavam. Hoje, eles me dão apoio em tudo e agradeço muito a Deus por isso.
Qual foi sua primeira transformação externa como homem? O que isso significou para você?
Minha primeira transformação externa como homem foi aos 18 anos e continua a mesma até hoje. Eu me visto como homem, me comporto como homem e para mim isso é tudo! Não me sinto mulher em nada. Vestir-me e agir como realmente me sinto significa minha liberdade, pois já estou preso em um corpo que não é meu. Essa transformação, mesmo que ainda superficial, já me deixa mais aliviado.
Quanto às intervenções cirúrgicas e medicamentos que você precisa tomar, qual a sua situação hoje e qual o cronograma que você traçou? Em algum momento sente medo?
Meu tratamento é tudo que mais quero na vida! No momento, estou fazendo acompanhamento com um psicólogo especializado em transexualidade. Foi confirmada a disforia de gênero, ou seja, sou, de fato, um homem transexual. Em abril de 2010, vou começar o tratamento hormonal. Este andamento, na minha visão, é o melhor caminho a percorrer para um transexual. Primeiramente, as consultas psicológicas, aí o diagnóstico e, então, todo o processo de redefinição sexual, que se inicia com o tratamento hormonal com acompanhamento médico e, por fim, as cirurgias de readequação, cuja prioridade, no meu caso, é a mamoplastia. Ainda não penso em esterilizar-me. Não tenho medo algum. Estou disposto a tudo só para me sentir melhor e feliz com meu corpo.
Como você lida com o fato de você ter uma psique diferente do seu corpo físico?
Não é facil viver em um corpo que não é seu. Ter seios, não tirar a camisa, não poder andar de mãos dadas com a namorada, ter que usar cinta de compressão para disfarçar o volume, isso tudo é muito chato. Estou levando numa boa porque logo vou iniciar o tratamento hormonal e fazer minha cirurgia de retirada das mamas. É isso que me conforta.
Desculpa se parecer um lugar-comum, mas a primeira e talvez única ideia que as pessoas têm de um homem transexual é a do filme "Garotos Não Choram". Você assistiu a esse filme? De que forma ele te impactou?
Assisti ao filme com minha companheira. Fiquei chocado com o preconceito e com a maneira como tudo aconteceu. Para a sociedade, só os heterossexuais podem amar e ser felizes. Isso é rídiculo. Matar um ser humano porque ele é ou ama de forma diferente é absurdo. Esse filme denuncia a verdadeira sociedade em que vivemos.
Só para se ter um parâmetro, daqui a cinco anos como você quer estar?
Daqui a cinco anos quero estar fisicamente transformado. Quero estar casado com minha companheira, espero ter meu nome masculino em meus documentos e ser um médico veterinário. Quero ter a oportunidade de ser bem sucedido e feliz com minha esposa e filhos, vivendo plenamente como o homem que sou.
Fonte: http://www.paroutudo.com/materias/redacao/100222.php
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