sábado, 13 de fevereiro de 2010

Histórias de Vida IX - Por B.K.S.


Até aonde temos que ir para sermos nós mesmos?

Essa foi a pergunta que me veio a cabeça recentemente, mas antes de contextualizar tal questão, acho que tenho que trazer ao leitor algumas informações sobre mim; bem como pretendo neste texto, por questões obvias, manter o anonimato serei em alguns pontos vago.

O primeiro ponto necessário a ser compartilhado, é claro para quem leu essas palavras até agora: não escrevo bem. Eu até gostaria de dominar as palavras de uma maneira que tudo que eu escrevesse fosse tão claro e transmitisse as emoções da minha própria fala, e que claro, dominasse a língua portuguesa de uma forma que fosse fácil escrever. Contudo não tenho esses adjetivos, mas tenho a convicção que esse é um ótimo meio para expressar e compartilhar idéias, pensamentos, sofrimentos, angustias, até mesmo a felicidade, e quem sabe, uma dia eu ainda não fique bom?!!!

Bom, tenho 21 anos, estou prestes a me formar, e sou um transexual FTM embora para mim eu seja um homem como outros desde do dia em que nasci. Ocorre que para todo transexual as coisas não são tão fáceis assim, pois para ser considerado um homem, pelo menos socialmente e esteticamente, também se tem alguns requisitos; tudo isso que eu disse é obvio.

Daí surge o tema que venho tratando. Acabei de me sujeitar a segunda cirurgia das três que terei que fazer antes de me tornar quem realmente sou. E no caminho da sala de cirurgia para fazer a histerectomia, a única coisa que me vinha à cabeça era: o que eu não tenho que fazer para ser quem eu realmente sou?

E hoje me perguntei a mesma coisa.

Tive algumas respostas sabe, e concluí que para ser eu mesmo, desde muito novo abri mão de muitas coisas que são meu verdadeiro eu: em um primeiro momento, abri mão da minha família, porque nunca foi e não é tranqüilo lidar com o fato de você ser alguém que as pessoas, pelo menos em um primeiro momento não vêem em você. Afastei-me da minha mãe, irmã, avós, tios, e sabe por que? Não podia dizer quem eu realmente era, tinha que ser quem eles imaginavam que eu fosse, então em muitos momentos eu fui duas pessoas. Para aqueles que eu não conhecia era o rapaz alegre, chato, amigo, criterioso, e que dava valor as amizades, e para minha família eu era a menina diferente, com problemas, agressiva, que precisava de cuidados diferentes, e que em alguns momentos se afastava de todos porque estava "cansada" de fingir ser uma pessoa que não era. Nesta época me magoei muito e os magoei também. Não sabia lidar com essa situações e criei feridas que sei que nunca vou apagar.

Fase difícil...

Lembro-me de algumas coisas e tenho vontade de chorar, mas eu lutei pelo que eu quis, e a minha família da maneira deles, foi a melhor possível; me apoiou, deu suporte, e deu o mais importante: estudo, carinho, um lar. Isso ficou meio que por conta da minha mãe, já que não convivi muito com meu pai e nem sua família.

Hoje estou num projeto de transexualidade desenvolvido na minha cidade há algum tempo, tomo hormônios, e como disse, estou avançando no meu “tratamento”, entretanto o enfoque destes parágrafos é sobre o que eu perdi além de alguns anos de convívio familiar e de carinho: perdi milhares de amores que nunca poderia ter, perdi milhares de aparições que queria fazer em diversas coisas pois não poderia aparecer do jeito que todos me viam naquele momento, perdi horas e horas pensando em soluções para esconder traços femininos, perdi possíveis amizades e amores por preconceito, deixei de fazer inúmeras coisas que gostaria porque ninguém me aceitaria como eu era. E continuo perdendo com as escolhas que fiz. Perdi a possibilidade de ter um filho com meu material genético, e me coloquei em uma situação difícil, isso porque escolhi ser eu mesmo.

Atualmente eu não sou como outro cara, e nunca serei. Não sei se algum dia terei uma vida sexual igual a de um homem biológico, e inúmeras vezes terei que me explicar a pessoas sobre o meu passado, isso sem contar namoradas, coisa que não pretendo fazer mais, porque estou feliz com a minha.

Mas isso não muda o fato de que para ser quem eu sou, tive que optar pelo mais difícil, tive que estar escondido para que pessoas não soubessem meu nome, tive que inventar historias e até aprendi a ler lábios. Tornei-me um grande observador, e apreendi a me virar sozinho, a sempre ter uma carta na manga, aprendi a ver a diversidades com outros olhos e entendi que um pênis não poderia ser tudo, mesmo sendo uma coisa que desejasse muito. Aprendi o que é preconceito, e o que e ser olhado de maneira indiferente por certas pessoas, quando você é exatamente igual.

A minha situação me fez ver diversas coisas e fazer milhares de escolhas, até hoje as faço, penso "será que posso ser isso ou aquilo", ou "melhor não, assim as pessoas saberão do meu passado e eu não quero isso" ou "nossa, melhor não fazer isso vou me expor demais e logo todos falarão de mim".

Enfim eu deixei, e deixo muito de mim a cada dia, por querer ser o que sempre fui. Todavia por incrível que pareça estou na fase mais feliz da minha vida. É porque para mim seria impossível ser aquela menininha que todos queriam que eu fosse, então mesmo que eu não tenha aparecido como gostaria, hoje tenho outros horizontes; sonho em me formar, regularizar a minha situação legal, adotar meus filhos ou fazer inseminação, reconquistar minha família, consolidar o meu nome, ser aquele que eu sou com todo mundo, e é por isso que mesmo que ainda tenho que fazer mais algumas cirurgias. Tento ver isso como uma fase de adaptação para um dia chegar a ser quem eu sempre fui, mesmo que isso me custe tomar injeções de hormônio a vida inteira, tomar remédios para espinhas e ter que reconstruir o meu verdadeiro eu.

Tudo isso para mim vale a pena; não penso no que eu perdi, mas sim no que vou conquistar.

2 comentários:

  1. lindo post. quem falou que vc não escreve bem?
    boa sorte, e parabéns pelas conquistas.

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  2. força aí! eu penso que cada vida é de cada um de nós, e, portanto, somente A NÓS compete decidir o que fazer dela.
    parabéns! (achei seu blog através da relação de blogs da frente lgbt).

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