A História de Lynn
Copyright @ 2000-2004,
Lynn Conway.
Lynn Conway é uma conhecida pioneira na área do desenho de chips eletrônicos. As inovações que Lynn desenvolveu durante os anos setentas no Centro de Pesquisas de Palo Alto da Xerox nos Estados Unidos (sigla em inglês: P.A.R.C.) causaram um forte impacto mundial nessa área da alta tecnologia. Inúmeras companhias desse segmento, mesmo com diferentes métodos de computação, se baseiam no trabalho dela.
Milhares de desenhistas de chips aprenderam esta profissão com a ajuda da obra “Introdução aos Sistemas VLSI” da qual Lynn foi co-autora juntamente com o professor Carver Mead do Instituto Tecnológico da Califórnia (Cal Tech). Milhares de outros desenhistas de chips desenvolveram seus primeiros projetos VLSI ao utilizar o sistema de protótipos denominado MOSIS que também se baseia diretamente no trabalho de Lynn no P.A.R.C. De fato, uma grande parte da evolução do desenho dos chips de silício, nos últimos tempos, é resultado do trabalho de Lynn Conway.
Lynn ganhou muitos prêmios como reconhecimento por seu trabalho e ela foi eleita Membro da Academia Nacional de Engenharia dos Estados Unidos, o que representa o máximo em reconhecimento profissional a que pode chegar um engenheiro nos Estados Unidos.
O que ninguém sabia até poucos anos atrás é que Lynn também realizou outra pesquisa de grande importância nos anos sessentas quando trabalhava na I.B.M. Recém formada, ela inventou um método importante para gerenciar, fora de ordem, múltiplas instruções por ciclo de máquina nos chamados supercomputadores. A isto Lynn deu o nome de “Dynamic Instruction Scheduling (DIS),” ou seja, “Gerenciamento Dinâmico de Rotinas." Depois de resolver este problema fundamental da arquitetura dos computadores no ano de 1965 é que foi possível a criação do primeiro computador verdadeiramente "superescalar,” de cuja invenção, na I.B.M., ela participou.
Na primeira parte da década de 90, os chips evoluiram a ponto de conter transistores suficientes para que computadores superescalares coubessem em tais chips. De repente, a invenção da D.I.S., de autoria de Lynn, começou a ser utilizada em todos os microcomputadores pessoais da nova geração, aumentando a capacidade deles muito mais do que teria sido possível de qualquer outra maneira. Assim é que o trabalho de Lynn teve um forte impacto na moderna revolução tecnológica dos sistemas de informática.
A maioria dos engenheiros de informática pensava que a D.I.S. era um trabalho de décadas. Não tinham a menor idéia que tinha sido inventada de uma vez só no ano de 1965. Lynn sempre sentiu muita angústia sabendo que esta sua maravilhosa descoberta, que vinha sendo utilizada pelo mundo afora, além de ser descrita e comentada em todos os livros especializados em arquitetura da informática, nunca lhe fora atribuida.
Como é que ocorreu esta omissão? Por quê Lynn guardou silêncio durante mais de três décadas sobre sua invenção na I.B.M. ?
A resposta é que mulheres como Lynn têm vivido, sobretudo no passado, submersas num holocausto de estigmatização, perseguição e violência. Simplesmente ela não podia revelar sua verdadeira identidade sem correr grandes riscos físicos e enormes prejuízos tanto na carreira profissional quanto na vida pessoal.
A realidade é que Lynn nasceu menino e foi criado como tal. Isto foi um erro terrível e trágico porque ela tinha o sexo psíquico e a identidade de gênero femininos. Porém, nos anos quarenta e cinqüenta não havia quase nenhum conhecimento sobre as disfunções do gênero. Assim, Lynn foi obrigada a crescer como um menino. Embora sofresse bastante, ela suportava isso tanto quanto possível. Inclusive na época em que trabalhava na IBM, vivia como um homem e tinha um nome masculino.
Depois de muitos anos tentando conseguir ajuda, Lynn finalmente conheceu o médico pioneiro Dr. Harry Benjamin, logo depois que ele publicou sua magistral obra “O Fenômeno Transexual.” Foi o primeiro livro que analisou a verdadeira natureza da aflição de configuração errada de gênero de que padecia Lynn, e além disso oferecia soluções médicas ainda que paliativas.
Com a ajuda do Dr. Benjamin, Lynn iniciou um tratamento médico em 1967. Ela foi uma das primeiras mulheres transexuais que recebeu terapia de substituição hormonal e reajuste cirúrgico para efetuar uma transformação completa do corpo de sexo masculino em feminino. Infelizmente, pouco antes de se submeter à cirurgia de redesignação sexual, ela foi demitida pela IBM por causa da sua transexualidade e perdeu toda a ligação com o importante trabalho que tinha desenvolvido lá.
Esta foi uma situação sem precedentes na IBM. O fato de um dos empregados querer “mudar de sexo” deixou apavorada a direção da empresa. Nessa época, a maioria das pessoas transexuais que procurava ajuda pertencia ao mundo dos espetáculos ou trabalhava em prostituição. Nessa época as únicas pessoas que ousavam mudar de gênero eram aquelas que podiam "passar" completamente como mulheres, que estavam sem esperança, e que não tinham nada a perder. Ao saber o que Lynn pretendia fazer, a Direção da I.B.M. resolveu demiti-la num misto de ódio e hostilidade. Pode-se afirmar com quase total certeza que foi o lendário chefão,Thomas J. Watson, Jr., que tomou esta decisão.
Embora Lynn contasse com um pequeno grau de apoio de alguns amigos e familiares, depois da sua demissão da IBM, todo o mundo perdeu a confiança no que ela pretendia fazer e ela perdeu todo o apoio que tinha. Assim, teve que viajar sozinha ao exterior para se submeter à cirurgia. Não só tinha perdido uma carreira e reputação profissionais assim como perdeu a família, os parentes, e todos os seus amigos e colegas de profissão. Olhava com medo para um futuro cheio de incertezas, sem ninguém no mundo com quem pudesse contar exceto sua equipe médica.
Depois de voltar do exterior, Lynn trocou de nome e concluiu a sua ressocialização de gênero. Iniciou de novo sua carreira, da estaca zero, do nível de programadora novata sem experiência profissional. No entanto, Lynn é um ser de muita coragem e conseguiu se adaptar perfeitamente ao seu novo gênero apesar de todas as previsões calamitosas que fizeram os executivos da IBM assim como todos os amigos e familiares que a tinham abandonado. Enfrentou sozinha sua nova vida, fazendo novas amizades e lutando pelo sucesso.
Surpreendentemente, Lynn veio a ser muito feliz e tão cheia de vida e esperanças que brilhou na sua carreira. Depois de passar por uma série de companhias, conseguiu uma colocação como arquiteta de computadores na empresa Memorex, em 1971. Dois anos depois foi recrutada pela Xerox para trabalhar no novo e excitante Centro de Pesquisa de Palo Alto (P.A.R.C.) justamente quando este estava sendo implantado.
Em 1978, apenas dez anos depois da sua transição de gênero, Lynn já era conhecida internacionalmente pelas inovações VLSI que tinha feito. Nesse ano escreveu um inovador livro didático sobre o assunto, e se preparava para começar a ensinar no primeiro curso sobre os sistemas VLSI no Instituto Tecnológico de Massachusetts (o M.I.T.).
Dois anos mais tarde, universidades no mundo inteiro adotaram este livro em cursos semelhantes, e o Departamento da Defesa Americano inaugurou um grande programa de apoio a pesquisas para ampliar seu trabalho. Fundaram-se dezenas de companhias privadas que desenvolviam esta tecnologia com fins lucrativos. E tudo isso aconteceu sem que ninguém descobrisse nada sobre seu passado. Descoberta, ela nunca poderia ter sobrevivido nem feito o que fez.
Durante os anos oitentas e noventas Lynn seguiu sua carreira de uma maneira cada vez mais diversa e influente, e desfrutou de uma vida repleta de aventura, satisfação e felicidade. Atualmente, Lynn é Professora Emérita de Engenharia Elétrica e Ciências Informáticas na Universidade de Michigan em Ann Arbor, onde também ocupa há anos o cargo de Decana Associada da Faculdade de Engenharia. Mora numa grande fazenda com o seu marido a quem conheceu há muitos anos.
No entanto, durante todos os trinta e um anos seguintes à sua transição de gênero, Lynn guardou um sigilo rigoroso sobre o seu passado, e dele só falou a alguns poucos amigos íntimos. Lynn conhecia histórias de outras mulheres transexuais que tinham sido objeto de ostracismo, abuso, assédio, violência, estupro e até assassinato e que suicidaram ao serem descobertas e perseguidas por indivíduos brutais e cheios de ódio.
Durante muito tempo Lynn viveu sob uma constante sensação de ameaça, risco e perigo, e temia que o seu passado fosse descoberto e que conseqüentemente perdesse os seus direitos legais e trabalhistas e que fosse motivo de afastamento de seus relacionamentos pessoais e profissionais.
Finalmente, em 1999, os historiadores da informática se debruçaram sobre o trabalho inicial que Lynn tinha feito na IBM tantos anos antes e o ligaram a ela, e seu passado foi revelado a seus colegas de profissão. No início Lynn sentiu um medo compreensível, mas aos poucos começou a pensar que talvez os tempos tivessem mudado o suficiente e que não lhe causaria nenhum problema abrir mão do seu sigilo. Certo é, que não havia nada do que se envergonhar na sua vida. Muito pelo contrário, podia se orgulhar dos seus sucessos pessoais e profissionais.
Porém, Lynn ainda ficava triste por causa do tratamento desumano que era dado a mulheres transexuais por parte de seus pais, parentes, companheiros de trabalho, pelo sistema judicial e pela sociedade em geral. O que é extremamente trágico é a rejeição completa pelas suas famílias pela qual passam muitos adolescentes transexuais. Tal rejeição, freqüentemente experimentada justamente nos primeiros momentos em que procuram ajuda, pode condená-los a longos anos de marginalidade.
Lynn começou a pensar se, de algum jeito, a sua história podia ajudar a outros. Sabia que a opinião pública, e os problemas que causa, muitas vezes são gerados pela mídia. As imagens de transexuais mostradas pelos meios de comunicação muitas vezes enfocam só na fase de transição, chamando a atenção para detalhes chocantes, mórbidos e às vezes embaraçosos do processo de mudar de sexo. A princípio, essas histórias podem parecer tolerantes, mas com freqüência terminam em passar uma imagem triste e patética. Leitores ou espectadores terminam por se compadecer das “coitadas” e em pensar “tomara que isso nunca aconteça a alguém da minha família!"
O que poucas vezes se transmite é uma sensação de alívio que experimenta a transexual ao se livrar do corpo masculino, e a felicidade que encontra logo após, como mulher.A gente nunca se dá conta que vivem na sociedade dezenas de milhares de mulheres pós-operadas bem sucedidas na vida e que são plenamente aceitas como mulheres. O público simplesmente não é informado sobre estas histórias de final feliz.
Por que é assim? Isto acontece porque todas estas mulheres vivem em sigilo, da mesma maneira que fez Lynn, temendo as conseqüências caso seus passados sejam revelados. Entretanto, dezenas de milhares de jovens transexuais pré-operadas vivem presas ao temor e à dúvida sobre os seus futuros. São muitas vezes rejeitadas pelas suas famílias e perdem os seus empregos, exatamente como ocorreu com a Lynn, na hora de identificar seu problema e de procurar soluções médicas para ele.
Lynn é a primeira mulher transexual de sucesso que emergiu de um prolongado sigilo para a luz do dia para contar sua história, o que deve trazer esperança a jovens transexuais. Pode ser que ajude fazendo com que os pais concebam um futuro feliz para um filho possivelmente transexual, especialmente se eles se tornam dispostos a apoiá-lo no processo de transformar o seu corpo e começar a ser mulher mais cedo na vida. Além disso, A História de Lynn pretende fazer com que empregadores pensem duas vezes antes de demitir uma pessoa talentosa por causa da sua transexualidade.
Vai chegar um dia em que uma transformação de sexo não será mais vista como um acontecimento triste, trágico, embaraçoso e penoso, mas propriamente como um milagre de ressuscitação para infelizes que nascem com o gênero trocado. Lynn espera poder ver a chegada desse dia.
Traduzido para o português por Sonia John
5-4-04
Homepage de Lynn: http://www.lynnconway.com/
Fonte: http://ai.eecs.umich.edu/people/conway/LynnsStory-Portuguese.html
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Lynn Conway.
Lynn Conway é uma conhecida pioneira na área do desenho de chips eletrônicos. As inovações que Lynn desenvolveu durante os anos setentas no Centro de Pesquisas de Palo Alto da Xerox nos Estados Unidos (sigla em inglês: P.A.R.C.) causaram um forte impacto mundial nessa área da alta tecnologia. Inúmeras companhias desse segmento, mesmo com diferentes métodos de computação, se baseiam no trabalho dela.
Milhares de desenhistas de chips aprenderam esta profissão com a ajuda da obra “Introdução aos Sistemas VLSI” da qual Lynn foi co-autora juntamente com o professor Carver Mead do Instituto Tecnológico da Califórnia (Cal Tech). Milhares de outros desenhistas de chips desenvolveram seus primeiros projetos VLSI ao utilizar o sistema de protótipos denominado MOSIS que também se baseia diretamente no trabalho de Lynn no P.A.R.C. De fato, uma grande parte da evolução do desenho dos chips de silício, nos últimos tempos, é resultado do trabalho de Lynn Conway.
Lynn ganhou muitos prêmios como reconhecimento por seu trabalho e ela foi eleita Membro da Academia Nacional de Engenharia dos Estados Unidos, o que representa o máximo em reconhecimento profissional a que pode chegar um engenheiro nos Estados Unidos.
O que ninguém sabia até poucos anos atrás é que Lynn também realizou outra pesquisa de grande importância nos anos sessentas quando trabalhava na I.B.M. Recém formada, ela inventou um método importante para gerenciar, fora de ordem, múltiplas instruções por ciclo de máquina nos chamados supercomputadores. A isto Lynn deu o nome de “Dynamic Instruction Scheduling (DIS),” ou seja, “Gerenciamento Dinâmico de Rotinas." Depois de resolver este problema fundamental da arquitetura dos computadores no ano de 1965 é que foi possível a criação do primeiro computador verdadeiramente "superescalar,” de cuja invenção, na I.B.M., ela participou.
Na primeira parte da década de 90, os chips evoluiram a ponto de conter transistores suficientes para que computadores superescalares coubessem em tais chips. De repente, a invenção da D.I.S., de autoria de Lynn, começou a ser utilizada em todos os microcomputadores pessoais da nova geração, aumentando a capacidade deles muito mais do que teria sido possível de qualquer outra maneira. Assim é que o trabalho de Lynn teve um forte impacto na moderna revolução tecnológica dos sistemas de informática.
A maioria dos engenheiros de informática pensava que a D.I.S. era um trabalho de décadas. Não tinham a menor idéia que tinha sido inventada de uma vez só no ano de 1965. Lynn sempre sentiu muita angústia sabendo que esta sua maravilhosa descoberta, que vinha sendo utilizada pelo mundo afora, além de ser descrita e comentada em todos os livros especializados em arquitetura da informática, nunca lhe fora atribuida.
Como é que ocorreu esta omissão? Por quê Lynn guardou silêncio durante mais de três décadas sobre sua invenção na I.B.M. ?
A resposta é que mulheres como Lynn têm vivido, sobretudo no passado, submersas num holocausto de estigmatização, perseguição e violência. Simplesmente ela não podia revelar sua verdadeira identidade sem correr grandes riscos físicos e enormes prejuízos tanto na carreira profissional quanto na vida pessoal.
A realidade é que Lynn nasceu menino e foi criado como tal. Isto foi um erro terrível e trágico porque ela tinha o sexo psíquico e a identidade de gênero femininos. Porém, nos anos quarenta e cinqüenta não havia quase nenhum conhecimento sobre as disfunções do gênero. Assim, Lynn foi obrigada a crescer como um menino. Embora sofresse bastante, ela suportava isso tanto quanto possível. Inclusive na época em que trabalhava na IBM, vivia como um homem e tinha um nome masculino.
Depois de muitos anos tentando conseguir ajuda, Lynn finalmente conheceu o médico pioneiro Dr. Harry Benjamin, logo depois que ele publicou sua magistral obra “O Fenômeno Transexual.” Foi o primeiro livro que analisou a verdadeira natureza da aflição de configuração errada de gênero de que padecia Lynn, e além disso oferecia soluções médicas ainda que paliativas.
Com a ajuda do Dr. Benjamin, Lynn iniciou um tratamento médico em 1967. Ela foi uma das primeiras mulheres transexuais que recebeu terapia de substituição hormonal e reajuste cirúrgico para efetuar uma transformação completa do corpo de sexo masculino em feminino. Infelizmente, pouco antes de se submeter à cirurgia de redesignação sexual, ela foi demitida pela IBM por causa da sua transexualidade e perdeu toda a ligação com o importante trabalho que tinha desenvolvido lá.
Esta foi uma situação sem precedentes na IBM. O fato de um dos empregados querer “mudar de sexo” deixou apavorada a direção da empresa. Nessa época, a maioria das pessoas transexuais que procurava ajuda pertencia ao mundo dos espetáculos ou trabalhava em prostituição. Nessa época as únicas pessoas que ousavam mudar de gênero eram aquelas que podiam "passar" completamente como mulheres, que estavam sem esperança, e que não tinham nada a perder. Ao saber o que Lynn pretendia fazer, a Direção da I.B.M. resolveu demiti-la num misto de ódio e hostilidade. Pode-se afirmar com quase total certeza que foi o lendário chefão,Thomas J. Watson, Jr., que tomou esta decisão.
Embora Lynn contasse com um pequeno grau de apoio de alguns amigos e familiares, depois da sua demissão da IBM, todo o mundo perdeu a confiança no que ela pretendia fazer e ela perdeu todo o apoio que tinha. Assim, teve que viajar sozinha ao exterior para se submeter à cirurgia. Não só tinha perdido uma carreira e reputação profissionais assim como perdeu a família, os parentes, e todos os seus amigos e colegas de profissão. Olhava com medo para um futuro cheio de incertezas, sem ninguém no mundo com quem pudesse contar exceto sua equipe médica.
Depois de voltar do exterior, Lynn trocou de nome e concluiu a sua ressocialização de gênero. Iniciou de novo sua carreira, da estaca zero, do nível de programadora novata sem experiência profissional. No entanto, Lynn é um ser de muita coragem e conseguiu se adaptar perfeitamente ao seu novo gênero apesar de todas as previsões calamitosas que fizeram os executivos da IBM assim como todos os amigos e familiares que a tinham abandonado. Enfrentou sozinha sua nova vida, fazendo novas amizades e lutando pelo sucesso.
Surpreendentemente, Lynn veio a ser muito feliz e tão cheia de vida e esperanças que brilhou na sua carreira. Depois de passar por uma série de companhias, conseguiu uma colocação como arquiteta de computadores na empresa Memorex, em 1971. Dois anos depois foi recrutada pela Xerox para trabalhar no novo e excitante Centro de Pesquisa de Palo Alto (P.A.R.C.) justamente quando este estava sendo implantado.
Em 1978, apenas dez anos depois da sua transição de gênero, Lynn já era conhecida internacionalmente pelas inovações VLSI que tinha feito. Nesse ano escreveu um inovador livro didático sobre o assunto, e se preparava para começar a ensinar no primeiro curso sobre os sistemas VLSI no Instituto Tecnológico de Massachusetts (o M.I.T.).
Dois anos mais tarde, universidades no mundo inteiro adotaram este livro em cursos semelhantes, e o Departamento da Defesa Americano inaugurou um grande programa de apoio a pesquisas para ampliar seu trabalho. Fundaram-se dezenas de companhias privadas que desenvolviam esta tecnologia com fins lucrativos. E tudo isso aconteceu sem que ninguém descobrisse nada sobre seu passado. Descoberta, ela nunca poderia ter sobrevivido nem feito o que fez.
Durante os anos oitentas e noventas Lynn seguiu sua carreira de uma maneira cada vez mais diversa e influente, e desfrutou de uma vida repleta de aventura, satisfação e felicidade. Atualmente, Lynn é Professora Emérita de Engenharia Elétrica e Ciências Informáticas na Universidade de Michigan em Ann Arbor, onde também ocupa há anos o cargo de Decana Associada da Faculdade de Engenharia. Mora numa grande fazenda com o seu marido a quem conheceu há muitos anos.
No entanto, durante todos os trinta e um anos seguintes à sua transição de gênero, Lynn guardou um sigilo rigoroso sobre o seu passado, e dele só falou a alguns poucos amigos íntimos. Lynn conhecia histórias de outras mulheres transexuais que tinham sido objeto de ostracismo, abuso, assédio, violência, estupro e até assassinato e que suicidaram ao serem descobertas e perseguidas por indivíduos brutais e cheios de ódio.
Durante muito tempo Lynn viveu sob uma constante sensação de ameaça, risco e perigo, e temia que o seu passado fosse descoberto e que conseqüentemente perdesse os seus direitos legais e trabalhistas e que fosse motivo de afastamento de seus relacionamentos pessoais e profissionais.
Finalmente, em 1999, os historiadores da informática se debruçaram sobre o trabalho inicial que Lynn tinha feito na IBM tantos anos antes e o ligaram a ela, e seu passado foi revelado a seus colegas de profissão. No início Lynn sentiu um medo compreensível, mas aos poucos começou a pensar que talvez os tempos tivessem mudado o suficiente e que não lhe causaria nenhum problema abrir mão do seu sigilo. Certo é, que não havia nada do que se envergonhar na sua vida. Muito pelo contrário, podia se orgulhar dos seus sucessos pessoais e profissionais.
Porém, Lynn ainda ficava triste por causa do tratamento desumano que era dado a mulheres transexuais por parte de seus pais, parentes, companheiros de trabalho, pelo sistema judicial e pela sociedade em geral. O que é extremamente trágico é a rejeição completa pelas suas famílias pela qual passam muitos adolescentes transexuais. Tal rejeição, freqüentemente experimentada justamente nos primeiros momentos em que procuram ajuda, pode condená-los a longos anos de marginalidade.
Lynn começou a pensar se, de algum jeito, a sua história podia ajudar a outros. Sabia que a opinião pública, e os problemas que causa, muitas vezes são gerados pela mídia. As imagens de transexuais mostradas pelos meios de comunicação muitas vezes enfocam só na fase de transição, chamando a atenção para detalhes chocantes, mórbidos e às vezes embaraçosos do processo de mudar de sexo. A princípio, essas histórias podem parecer tolerantes, mas com freqüência terminam em passar uma imagem triste e patética. Leitores ou espectadores terminam por se compadecer das “coitadas” e em pensar “tomara que isso nunca aconteça a alguém da minha família!"
O que poucas vezes se transmite é uma sensação de alívio que experimenta a transexual ao se livrar do corpo masculino, e a felicidade que encontra logo após, como mulher.A gente nunca se dá conta que vivem na sociedade dezenas de milhares de mulheres pós-operadas bem sucedidas na vida e que são plenamente aceitas como mulheres. O público simplesmente não é informado sobre estas histórias de final feliz.
Por que é assim? Isto acontece porque todas estas mulheres vivem em sigilo, da mesma maneira que fez Lynn, temendo as conseqüências caso seus passados sejam revelados. Entretanto, dezenas de milhares de jovens transexuais pré-operadas vivem presas ao temor e à dúvida sobre os seus futuros. São muitas vezes rejeitadas pelas suas famílias e perdem os seus empregos, exatamente como ocorreu com a Lynn, na hora de identificar seu problema e de procurar soluções médicas para ele.
Lynn é a primeira mulher transexual de sucesso que emergiu de um prolongado sigilo para a luz do dia para contar sua história, o que deve trazer esperança a jovens transexuais. Pode ser que ajude fazendo com que os pais concebam um futuro feliz para um filho possivelmente transexual, especialmente se eles se tornam dispostos a apoiá-lo no processo de transformar o seu corpo e começar a ser mulher mais cedo na vida. Além disso, A História de Lynn pretende fazer com que empregadores pensem duas vezes antes de demitir uma pessoa talentosa por causa da sua transexualidade.
Vai chegar um dia em que uma transformação de sexo não será mais vista como um acontecimento triste, trágico, embaraçoso e penoso, mas propriamente como um milagre de ressuscitação para infelizes que nascem com o gênero trocado. Lynn espera poder ver a chegada desse dia.
Traduzido para o português por Sonia John
5-4-04
Homepage de Lynn: http://www.lynnconway.com/
Fonte: http://ai.eecs.umich.edu/people/conway/LynnsStory-Portuguese.html
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