Durante a minha infância inteira eu não tive sexo. Eu era simplesmente eu. Uma pessoa.
Uma criança que gostava mais de jogar bola, andar de bicicleta, brincar de brigar, do que de boneca, brincar de casinha ou pentear o cabelo. Mas só isso, uma criança com suas preferências. E eu tive a sorte (ou azar) de ter pais que não tinham preconceitos quanto a isso. Brincadeira de menina e brincadeira de menino. Pra eles tanto fazia. Ou era só uma fase. Muito comum, nada demais.
E depois a fase não passou, mas amenizou, pelo menos externamente. Eu ainda jogava bola, andava de bicicleta, etc., mas não usava mais roupas masculinas, ou unissex. Conformava-me. Usava o quê era esperado que eu usasse. E ainda assim não tinha sexo. Não me via como mulher ou homem, só como eu. Claro que não era assexuado, tinha desejos, mas esses eram reprimidos, e mesmo que não fossem, seriam no máximo - na minha mente ainda pouco esclarecida - um sinal de homossexualidade. Mas nem isso eu admitia, ou me admitia. Tinha medo (quase inconsciente) da reação dos outros, dos olhares.
E vivia apenas como eu. Alguém.
Mas então um incidente bem acidental me abriu os olhos, pra dentro e pra fora. Lá estava eu passando os canais, quando me deparo com uma entrevista peculiar: era o programa da Oprah, e o entrevistado era um homem grávido. Ainda nem nome tinha. Escrito em letras grandes só havia isso: homem grávido. E, é claro, me chamou a atenção. Assisti a toda a entrevista. Nela, ele, Thomas Beatie (é, ele tem nome) contava um pouco de sua história, como se descobriu, o tratamento hormonal, a cirurgia (ele só tinha feito uma até o momento, se não me engano). Enfim, tudo. E foi a primeira vez que eu ouvi de um homem transexual.
Assim que eu soube que tal coisa era possível, soube que era isso que eu devia fazer - se quisesse tentar ser feliz algum dia. E entendi minha vida inteira em alguns segundos. Segundos extasiantes. Inexplicáveis.
A estrada a seguir seria dura, claro, cheia de obstáculos, e embora eu soubesse disso e tivesse medo, muito medo, sabia que era a única opção.
Passei um bom tempo, acho que quase um ano, sem fazer muito sobre isso, só lutando comigo mesmo, com medo de contar aos meus pais, à minha família, medo da reação óbvia - eu pensava. Até que finalmente contei, através de uma carta, à minha mãe. Ainda assim ela não entendeu bem o que eu estava dizendo, e conversamos. A reação foi ruim, claro, mas não tanto quanto eu imaginava. Nunca é tão ruim quanto pensamos.
E agora aqui estou eu, depois da primeira dose do tratamento hormonal, ainda um longo caminho a percorrer, a continuação do tratamento, as cirurgias, etc., no entanto bem mais feliz do que jamais fui.
Ainda que com todas as dificuldades, ainda que com todos os obstáculos atravessados, e muitos por atravessar, ainda assim, nunca, nunca fui tão feliz. E ainda serei muito mais.
Uma criança que gostava mais de jogar bola, andar de bicicleta, brincar de brigar, do que de boneca, brincar de casinha ou pentear o cabelo. Mas só isso, uma criança com suas preferências. E eu tive a sorte (ou azar) de ter pais que não tinham preconceitos quanto a isso. Brincadeira de menina e brincadeira de menino. Pra eles tanto fazia. Ou era só uma fase. Muito comum, nada demais.
E depois a fase não passou, mas amenizou, pelo menos externamente. Eu ainda jogava bola, andava de bicicleta, etc., mas não usava mais roupas masculinas, ou unissex. Conformava-me. Usava o quê era esperado que eu usasse. E ainda assim não tinha sexo. Não me via como mulher ou homem, só como eu. Claro que não era assexuado, tinha desejos, mas esses eram reprimidos, e mesmo que não fossem, seriam no máximo - na minha mente ainda pouco esclarecida - um sinal de homossexualidade. Mas nem isso eu admitia, ou me admitia. Tinha medo (quase inconsciente) da reação dos outros, dos olhares.
E vivia apenas como eu. Alguém.
Mas então um incidente bem acidental me abriu os olhos, pra dentro e pra fora. Lá estava eu passando os canais, quando me deparo com uma entrevista peculiar: era o programa da Oprah, e o entrevistado era um homem grávido. Ainda nem nome tinha. Escrito em letras grandes só havia isso: homem grávido. E, é claro, me chamou a atenção. Assisti a toda a entrevista. Nela, ele, Thomas Beatie (é, ele tem nome) contava um pouco de sua história, como se descobriu, o tratamento hormonal, a cirurgia (ele só tinha feito uma até o momento, se não me engano). Enfim, tudo. E foi a primeira vez que eu ouvi de um homem transexual.
Assim que eu soube que tal coisa era possível, soube que era isso que eu devia fazer - se quisesse tentar ser feliz algum dia. E entendi minha vida inteira em alguns segundos. Segundos extasiantes. Inexplicáveis.
A estrada a seguir seria dura, claro, cheia de obstáculos, e embora eu soubesse disso e tivesse medo, muito medo, sabia que era a única opção.
Passei um bom tempo, acho que quase um ano, sem fazer muito sobre isso, só lutando comigo mesmo, com medo de contar aos meus pais, à minha família, medo da reação óbvia - eu pensava. Até que finalmente contei, através de uma carta, à minha mãe. Ainda assim ela não entendeu bem o que eu estava dizendo, e conversamos. A reação foi ruim, claro, mas não tanto quanto eu imaginava. Nunca é tão ruim quanto pensamos.
E agora aqui estou eu, depois da primeira dose do tratamento hormonal, ainda um longo caminho a percorrer, a continuação do tratamento, as cirurgias, etc., no entanto bem mais feliz do que jamais fui.
Ainda que com todas as dificuldades, ainda que com todos os obstáculos atravessados, e muitos por atravessar, ainda assim, nunca, nunca fui tão feliz. E ainda serei muito mais.
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