domingo, 31 de janeiro de 2010

Histórias de Vida VIII - Por Leonardo.


Fui aquele tipo de criança introvertida, morria de vergonha de tudo. Meu mundo era minha família e um amigo apenas. Em sua casa brincávamos de carrinho. Pensava meio triste que eu não via graça em bonecas, e nem sabia exatamente como fazer isto.

Algumas crianças me perguntavam se eu era um menino ou uma menina na pré-escola. Por dentro eu imaginava que se eu tivesse nascido menino, tudo na minha vida seria mais fácil de ser vivido, eu me adaptaria melhor às situações.

Com 10 anos passei máquina nos cabelos. Fiquei com a fisionomia de um menino. Com 12-13 anos tinha uma tristeza dentro de mim que eu não sabia explicar. Só sabia que tinha "alguma coisa de errado" comigo. Pedi à minha mãe para fazer psicoterapia. Queria estar bem e não conseguia.

Então fiz 15 anos. Tive de ter uma festa de aniversário ridícula (apesar de ter achado bom ter os amigos e a família reunida). Ela foi ridícula porque eu não queria que ela existisse. Qual é a lógica de fazer uma comemoração extra por completar 15 anos?

Na adolescência eu tentava imitar minhas amigas. Ler a revista Capricho, espichar os cabelos, usar calças jeans apertadas e blusas com decotes para seduzir os meninos. Nossa vida era tentar arranjar ficantes e falar sobre meninos.

Não conseguia ser aquela pessoa. Tive que andar com pessoas diferentes e mudar de estilo. Uma época fazia estilo surf, ou estilo artista/alternativo, ou roqueiro/gótico. Mas nada servia em mim. Daí eu mudava.

As pessoas também não são constantes na minha vida. Elas vêm e simplesmente vão embora depois de alguns meses. Não ficam. É esquisito, mas eu acho que elas não captam minha alma. Não me veem de verdade.

Hoje em dia eu tenho meu próprio jeito de ser. Aliás, já faz um tempo que não mudo muito. Uns dois anos, mais ou menos. Mas foi tudo difícil.

Passei por muitas crises emocionais. Precisei tomar medicação para ansiedade e depressão e tomo até hoje. Houveram crises de família também, o que piorava a coisa toda. Sei que já estive em dias de não conseguir prestar atenção num diálogo.

Desde criança que eu penso em suicídio e tenho vontade de chorar do nada. Pensava que era por causa dos meus problemas familiares, mas realmente não é só isto. Problemas de relacionamento passam, e eu continuo sofrendo.

Pesquisando algo sobre travestis e transexuais para poder escrever sobre pensei que eu era travesti. Sempre olhei com vontade roupas e sapatos masculinos nas vitrines das lojas. Meses mais na frente assisti um episódio de uma série de tevê fictícia, The L Word. Quando vi o personagem Max, homem transexual, tive a certeza de que sou como ele. O modo de fazer comentários, conversar e se relacionar com as pessoas do mundo. Tudo isso em mim funciona como um homem. Independente da cultura, do timbre de voz, da aparência, do corpo, dos meus genes ou da posição social que ocupo.

O fato de eu ter corpo de mulher me deixa com vergonha. E ser tratado como mulher para mim é humilhante. Infelizmente é uma coisa com a qual convivo todo dia. Até pelo menos fazer a transição.

Não quero mudar de sexo, do sexo masculino eu já sou. Quero é mudar de corpo e ser tratado com o homem. Sinto como se não estivesse em mim, tudo é distante, tudo cinza. Como se não fosse a minha vida. Acredito que se eu conseguir exercer a minha identidade de gênero vou poder me sentir real um dia.

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