terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Mídia e transexualidade - A desumanização camuflada


Por Aline de Freitas em 27/12/2005


Infelizmente, um procedimento comum da imprensa brasileira ao tratar de pessoas transexuais é o de negar enfaticamente suas identidades. Entre as práticas mais comuns estão: a colocação entre aspas dos nomes com que tais pessoas se auto-identificam, o tratamento da pessoa pelo gênero do sexo biológico, negando assim o direito à própria identidade. Escreve-se sempre "o transexual", quando transexual é um adjetivo: usa-se o artigo no masculino quando se trata na verdade de uma mulher transexual, uma pessoa com identidade feminina de gênero.

Mas, mais do que isso, a substantivação é uma forma camuflada de desumanização das pessoas. Há uma diferença muito grande entre dizer "um transexual" e "uma pessoa transexual", "uma mulher transexual". Agora, homens transexuais, de acordo com a imprensa, estes não existem.

No dia 5 de dezembro foi publicada pela Folha Online e por vários jornais de grande circulação no país uma matéria com o título "Peruana finge ser homem e fica em prisão masculina na Argentina". A Folha, juntamente com a totalidade da imprensa brasileira, praticamente copiou a notícia do jornal argentino Página 12, dando exatamente o mesmo enfoque. Nem é preciso conhecer muito sobre transexualidade ou transgeneralidade para perceber o quanto tal notícia carece de lógica.

E que jornalismo é esse?

Vamos ler uma passagem do último parágrafo: "A peruana insiste em defender sua identidade como homem e reivindica sua permanência no presídio masculino". Ora, qualquer pessoa com um pouquinho de inteligência pode concluir que "a peruana" na verdade vê a si "mesma" como um homem. Como se pode alegar que essa pessoa "finge ser um homem?"

Vamos pensar numa situação semelhante, mas com personagens de gêneros distintos. Imagine uma mulher transexual que, detida sem documentos, seja encaminhada a uma prisão feminina. Caberia nesta matéria fictícia um título como "Homem finge ser mulher e fica em prisão feminina?"

E que jornalismo é esse que se limita a copiar e colar notícias sem nenhuma análise, sem nenhuma identidade própria?

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