sábado, 20 de junho de 2009

Questão de Gênero


No último dia 16 de junho houve a exibição do documentário do diretor Rodrigo Najar, chmado Questão de Gênero, no HSBC Belas Artes em São Paulo. O filme acompanha o intervalo de um ano na vida de transexuais, tanto mtfs quanto ftms.

Ápos a exibição houve um debate sobre a questão apresentada.

E foi sobre o documentário que a filósofa, e participante do programa Saia Justa do GNT, Márcia Tiburi escreveu em seu blog. Com um enfoque diferenciado, vale a pena ler a opinião dela sobre o que envolve essa tal questão.

Segue abaixo o texto:

"QUESTÃO DE GÊNERO Seg, 15/06/09

por Marcia Tiburi
categoria Sem Categoria

Assisti o documentário QUESTÃO DE GÊNERO dirigido por Rodrigo Najar que trata da questão transsexual. Haverá uma sessão aberta ao público no, dia 16, amanhã mesmo às 19 h e 30 minutos no HSBC Belas Artes. Vale a pena assistir por dois motivos básicos, um estético, outro ético. Quanto ao primeiro motivo, o documentário é bem filmado, tem a estética do documentário, aquele tom que não se preocupa com o hiper acabamento. Dá a sensação de que é uma filmagem viva. Eu, particularmente, gosto muito deste tom livre sem grandes efeitos, por reconhecer nele uma honestidade de direção. Esta coisa do bom documentário de ser feito por uma pessoa e sua câmera ali fica bem claro. Junto, é claro, das pessoas cujas vidas são mostradas. O documentário tem de ser real sem fugir do assunto. Sempre terá algo de ficção, o olhar de quem o faz, mas se este olhar buscar respeitar seu “objeto” terá a chance de libertá-lo. Além de tudo, do jeito que foi montado, ficou divertido, bonito, leve, e também sóbrio sem nenhum moralismo ou imoralismo. A questão vai muito além desta palavrinha triste que arranjamos em tempos de repressão à expressão.

As pessoas que aparecem no documentário são bacanas e animadas. E apesar de estarem ali pra mostrar a diferença são iguais a todo mundo. E é aí que está o motivo ético, a diferença de cada um, diferença não apenas corporal, mas também emocional e simbólica que deve ser preservada diante do fato de que somos todos iguais. Penso que este documentário poderá provocar a sensibilidade do nosso tempo para o respeito à convivência com todas as formas de exercício da sexualidade, mas mais que isso. O documentário mostra que não é somente de sexo ou de sexualidade que se trata quando se está diante da questão do “trans”. O que está em jogo é também o direito à expressão, o direito a um modo de ser que não tem porque ser recalcado.

Este direito de não pertencer a gênero nenhum, de não ser homem nem mulher, ou de ser, mas de um jeito outro, de um jeito próprio, de um jeito livre. Ficou muito claro pelas experiências narradas que há pessoas que vivem ou para além ou no “entre” sexos. E que viver “entre” pode ser bem instigante.

Muitas pessoas pensam que a vida transexual é uma escolha por um gênero. É claro que há entre as pessoas que vivem a transexualidade o desejo de ser um outro segundo o estereótipo do feminino e do masculino. Mas há também pessoas que não se encaixam na linhagem dos gêneros. Pessoas que são pessoas, individualidades, singularidades não classificáveis nas taxonomias que compõem o território do poder do sexo que define estas classificações.

Nossa cultura, embora democrática, ainda não parece muito preparada para a experiência do “trans”. Isso vai passar.

Para quem tem curiosidade sobre a história do poder e do sexo recomendo a História da Sexualidade de Michel Foucault. Há 3 volumes. O primeiro é talvez o mais importante em termos conceituais por sustentar que a repressão ao sexo formou-se ao mesmo tempo que um discurso sobre o sexo que sempre tentou encaixar os indivíduos nas sexualidades - as visões e as teorias sobre o sexo - como modo de controlá-los. Havia, é claro, um interesse dos poderes (do Estado a Igreja da qual a família foi sempre a serva interessada). Nosso tempo, no entanto, prega a democracia. A democracia ainda é manca, mas aos poucos começa a pisar firme no chão. A liberdade sexual que está em cena não é somente a de praticar sexo como foi nos anos 60 e 70, mas a de poder conviver com o próprio corpo.

Esta é uma das maiores questões destes tempos em que ainda somos vítimas dos discursos sobre “sexualidade”. Só seremos totalmente livres quando não houver mais preocupação com estas definições. O documentário Questão de Gênero mostra que estamos caminhando para além delas."

Nenhum comentário:

Postar um comentário