terça-feira, 24 de junho de 2008

O problema quando Jane se torna Jack I


Shane Caya, Natasha e filha


Publicado em 20 de agosto de 2006.

Por Paul Vitello

SÃO FRANCISCO


Na mais recente temporada da série de temática lésbica, “The L Word”, um novo personagem chamado Moira anuncia a suas amigas que, através de cirurgias e terapia hormonal, ela muito em breve será uma nova pessoa chamada Max. Sua notícia não é muito bem recebida.

“Fico triste em ver algumas das nossas mulheres butches desistindo da sua feminilidade para se tornarem homens,” uma personagem diz.

O sentimento é uma versão menor do que várias outras mulheres lésbicas escreveram em blogs lésbicos e em websites nas semanas depois que o episódio foi ao ar. Muitas pediram que Max fosse morto na próxima temporada. Uma sugeriu que ele fosse despachado por uma overdose de testosterona.

A reação ao personagem de ficção capturou a tensão que pode existir sobre a readequação sexual. Entre lésbicas - um grupo do qual muitos homens transexuais emergem - o aumento do número de mulheres que estão buscando suas vidas como homens, pode provocar um profundo ressentimento e quase uma ansiedade existencial, levantando questões como lealdade de gênero e identidade política, além do debate sobre quem é e quem não é, e quem nunca foi uma mulher real.

O conflito vem à tona e é explorado em alguns artigos acadêmicos, em revistas voltadas ao público lésbico e em publicações alternativas com algumas colocando a questão de forma simplista, mas questionando, “ O lesbianismo está morto?”

Tem sido uma das agendas de políticos gays em São Francisco, uma das poucas cidades americanas que cobrem as despesas dos empregados que passam por cirurgias de readequação. E aparece todo verão durante o Michigan Womyn’s Musica Festival, um evento lésbico onde “mulheres nascidas mulheres e que vivem como mulheres” são convidadas - um veto a transexuais de ambos os gêneros.

Barbara Price, que já foi produtora do evento, diz que o desconforto “tem sido um grande ponto de discussão entre lésbicas por algum tempo.”

“Tem muitas pessoas que vêem o que essas jovens mulheres estão fazendo e dizem para elas ‘Ei vocês não vêem que fazendo isso, se tornando homens, estão passando para o outro lado? ” Ela diz. “Todas nós pensamos que deveríamos estar juntas nisso.”

Além das implicações políticas, a sensação de perda é mais sentida em relacionamentos pessoais.

“Sou lésbica porque sou atraída por mulheres e não por homens, “ diz uma mulher de 33 anos que terminou com sua parceira de 7 anos, Sharon Caya, quando Sharon se tornou Shane. A mulher, que pede para ser identificada por Natasha, para proteger familiares que não sabem de sua orientação, diz que ela foi levada a questionar sua identidade e sua orientação sexual. “Eu decidi que não poderia esta numa relação afetiva com um homem.”

O movimento transexual entre homens é no mínimo tão antigo quanto a pioneira cirurgia que transformou George Jorgensen em Christine Jorgensen em 1952. Entre mulheres que desejam se tornar homens, entretanto, o movimento ganhou força nos últimos dez anos, em parte pelo aumento de melhoras das técnicas cirúrgicas, a possibilidade de apoio instantâneo pela Internet, e as emoções levantadas pelo filme de 1999 “Boys don’t cry”, baseado na história real do assassinato de Brandon Teena, uma jovem mulher do Nebraska que decidiu viver como homem.

A palavras para o processo é “transicionar”, um verbo modesto para mulheres que no mínimo fazem mastectomia bilateral e tomam doses de hormônio para alterar o formato do rosto, “engrossar” a voz, ter aumento de massa muscular na parte superior do corpo, promover o crescimento de pelo faciais, e em algum casos, disparar calvície de padrão masculino.

Politicamente e pessoalmente, a mudança tem efeitos profundos. Algumas lésbicas vêem a situação como um tipo de deslealdade beirando as raias da traição de gênero.

O Census Bureau não conta o número de pessoas transexuais nos Estados Unidos, e muitos que transicionam não querem ser contados.

Um estudo europeu conduzido há 10 anos atrás, e geralmente citado pela Associação Americana de Psiquiatria, diz que readequação total de gênero ocorre em 1 em cada 11.000 homens, e 1 em cada 30.000 mulheres; uma proporção que colocaria o número nacional de homens que se tornaram mulheres em cerca de 13.000 e de mulheres que se tornaram homens em cerca de 5.000.

Militantes transexuais, entretanto, dizem que essas estatísticas falham em refletir um grupo cada vez maior de pessoas, especialmente jovens, que chamam a si mesmo de transgêneros, mas resistem a algumas ou todas as cirurgias disponíveis, incluindo para mulheres que se tornam homens, a criação de um pênis. Alguns postergam ou evitam as cirurgias devido ao alto valor. Para mulheres especialmente, a cirurgia genital ainda é um grande risco.

Continua...

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