terça-feira, 19 de agosto de 2008

Diga-me com quem andas...Mostre seu RG! - por Erick Mattel


“Agora cuide bem do seu nome, meu filho. Este é o maior bem que você tem!”.

Estas foram as palavras de minha advogada, Dra. Tereza Rodrigues Vieira, no dia em que liguei chorando de felicidade, contando que tínhamos ganhado o processo de mudança de nome na justiça.

Uma pessoa que vive normalmente não dá valor ao seu nome.

Sim. Damos muito valor à nossa saúde, aos nossos bens materiais, à nossa família, aos nossos filhos (se os temos), ao nosso trabalho, ao nosso lazer. Mas nunca pensamos no nosso nome.

Posso garantir, em nome de todos os transexuais do planeta que, sim, O nome faz a diferença.

Você vive normalmente. Paga suas contas, seus impostos, trabalha, sai nos finais de semana, pega um cineminha, compra uma pipoca, entra na portaria de um prédio, pega um ônibus, um avião...

Diga-me. Quantas vezes você usou o seu nome pra fazer às simples coisas da vida?

TODAS.

Para um transexual, ir a algum lugar que exige apresentação de qualquer documento é uma das maiores torturas existentes na face da terra. Para alugar um filme na locadora você precisa de documento. Para fazer uma compra, você precisa de documento. Para entrar num prédio, você precisa de documento.

Até pra morrer você precisa de documento! Se não, o enterram como indigente.

Foi falando sobre documentação com meu amigo, fundador, escritor e filósofo deste maravilhoso blog que resolvi escrever este texto.

Estávamos elencando todos os documentos que precisamos retificar após o ganho do processo na justiça.

E aqui vai mais uma dica aos amigos transexuais que acham que “todo o sofrimento acaba na hora em que o Juíz assina a bendita sentença”. Não. Nem de longe.

Ainda temos que enfrentar a ignorância de todo um sistema que nunca foi sequer informado que poderia atender casos como o nosso.

Desde o pedido de confecção de uma nova certidão de nascimento, até a consulta do seu nome no SERASA, durante uma simples compra numa loja. Se o Brasil já é um país burocrático para quem já “nasceu prontinho”, imagina pra quem vem readequando tudo, desde o corpo até sua documentação.

Pra você ter uma idéia, a odisséia começa no cartório do Fórum, onde os próprios escrivãos não sabem o que fazer por nunca terem “visto uma coisa dessas”. Sai do cartório do Fórum, vai pro cartório de registros, onde de novo erram na retificação da certidão de nascimento. Certidão retificada, corre retificar o RG. Outro parto. RG retificado, corre pro Banco do Brasil para ser MUITO MAL ATENDIDO por profissionais que não sabem nem o que estão fazendo com a ferramenta online da Receita Federal, quanto mais quando “nunca viram uma coisa dessas”.

Troca Carteira de Motorista, Número do PIS, Número do FGTS, Título de Eleitor, vai à Junta Militar tirar atestado de reservista (aliás, pasmem, foi o lugar que eu fui MELHOR atendido em toda essa via-crucis), troca histórico escolar, tira Carteira de Trabalho...

UFA!

Aí, ainda por cima, mesmo depois de ter trocado TODOS os documentos, quando vai fazer uma compra numa loja, a PORCARIA do sistema do SERASA não está atualizado. Pronto. Lá vai a gente se passar por fraude de novo. “Moço, seu CPF tá com nome de mulher...”.

Olha... é dose. Tem que ser forte. Tem que ser centrado e com a cabeça muito no lugar. E é claro, usar de muita lábia, simpatia e jogo de cintura. E dar bronca na hora certa. Exigir os direitos!

Para os que ainda acham que tudo termina na assinatura do Juíz, digo apenas onde a nossa luta começa. Nossa luta começa interiormente, dentro do nosso mundo, dentro do nosso corpo, de nossa mente. É uma luta voraz, homem contra natureza. Natureza esta que erra de vez em quando. Uma vez em cada 300.000.

Lutamos contra nosso corpo biológico. Lutamos contra o preconceito da sociedade, lutamos contra a burocracia.

Mas felizmente, nossa força é tão grande que transforma. Não só os nossos nomes nos documentos como o pensamento de uma nova geração.

E se você está lendo este texto hoje, estou feliz. Você é mais uma pessoa que sabe como é a vida de um transexual. É um “pensamento transformado”. E agora sabe que somos “normaizinhos”, como qualquer um que roda por aí.

Um grande abraço a todos que lêem este Blog.

2 comentários:

  1. me emocionei demais com seu texto, tipo, qse chorando aki rs!
    nao vejo a hora dos meus documentos estarem prontos.

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  2. Obrigado, Madu.
    Se precisar de alguma dica, peça meu mail ao autor do blog, ok?
    Abraços!
    Erick

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