sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O papel social do transexual

Proponho um exercício. Vamos além do papel de gênero, do identificar-se mais com o ser masculino ou feminino.

“Não existe nada além disso.”

Sim, existe o papel social do transformador. O transexual é agente de questionamento, de transgressão, de transmutação, alguém que concretamente transforma idéias fixas e pré-determinadas em fluidez e possibilidades.

Por que disso?

Para, mais uma vez, tentar apresentar uma visão mais otimista da transexualidade do que a dita patológica, para além da angústia e do sofrimento. Muitas vezes uma visão alternativa promove uma mudança de atitude e comportamento, que irá se refletir de forma palpável na rotina de cada um.

Isso não é uma ode a transexualidade, ou uma questão de qualificar em ser transexual como bom ou ruim, até porque são conceitos questionáveis e variantes para cada indivíduo. Muito menos dizer que somos melhores ou piores, que por sua vez, são conceitos também questionáveis.

O transexual é incomodo, porque dessa forma, leva e levanta questionamentos sobre situações tabus da sociedade, seja a sexualidade ou a eterna disputa entre homens e mulheres, entre outros; e que por si só remetem a anos de opressão, revolta, culpas e medos.

Ser esse agente de transformação e questionamento nunca foi fácil, em qualquer época, era, os indivíduos que questionavam de alguma forma o status padrão de determinada sociedade eram vistos com olhos doentios e de ignorância.

“Mas eu não pedi para ser assim.”

Porém o fato concreto é que somos todos, dos militantes ativos aos que calados batalham pelo pão de cada dia. Nossa simples existência já nos faz dessa forma. Somos todos militantes sociais, dos que desafiam as regras que transpassam de forma quase invisível a sociedade, e que estão tão integradas no cotidiano que poucos se dão ao trabalho de observá-las.

Quando você vai a um profissional que te rejeita com olhar de desdém, com um discurso ignorante, ou recebe um olhar de espanto de algum conhecido que até ontem era, por exemplo, seu melhor amigo, releve. Sim, releve porque na verdade o olhar e a crítica não são para cada um de nós, mas para conceitos, medos e dúvidas que cada um carrega em si mesmo, e que a maioria não tem coragem de enxergar.

O seu conteúdo é seu, e assim como você também levou um tempo até entendê-lo, cada um tem o seu próprio espaço, e precisa de um tempo para assimilar o que foge desse espaço de segurança e compreensão.

E nesse momento somos agentes do questionamento, da dúvida, do “como é possível alguém fazer isso que me parece tão absurdo?”.

Parece absurdo porque fomos “programados” com certos padrões normativos, e qualquer um que fuja a eles, será visto com diferença. Nós mesmos temos esses padrões introjetados e por isso se torna tão difícil, a princípio, nos aceitarmos como somos.

Mas por um momento questione: e não somos todos nós diferentes de alguma forma, e ainda assim semelhantes?

Sim, somos, mas algumas pessoas agem como provocadores de questionamentos e trazem em si mesmas infinitas perguntas, e meia dúzia de respostas, enquanto outras trazem um emaranhado de respostas que lhes foram apresentadas como absolutas. Até porque o absoluto gera segurança e não desestabiliza, já o fluido que questiona vai sempre levantar a poeira e andar por territórios desconhecidos, e com isso provocar uma disputa entre o pré-conceito e a existência de cada um.

O pré-conceito é uma pedra bruta não lapidada, e a existência particular de cada um é como a água, fluida, cristalina, que sutilmente, com persistência e paciência, mina a pedra até lapidá-la, ou demoli-la completamente.

Mas todos nós temos a capacidade de nos tornarmos questionadores, de sairmos das repostas obscuras e “definitivas”, para o mundo das possibilidades sem categorização.

Isso não significa que em situações de constrangimento, de ofensas físicas ou verbais, se deva ficar parado, não de forma alguma. Ainda que o agressor seja digno de compaixão, é mais que imperativo buscar os meios necessários para ter seus direitos resguardados. Ainda não vivemos em uma sociedade que enxerga para além da pedra, a beleza da singularidade das águas, e por isso tornam-se necessários, por hora, instrumentos que provoquem de alguma forma o resgate do direito ao respeito e a dignidade humana.

Tudo aqui se constrói para chegarmos ao destino final, que somos nós mesmos, transexuais ou não, mas seres humanos, tão belos e únicos nas nossas singularidades, e ainda assim tão semelhantes ao resto do mundo. Indivíduos dotados de capacidades incríveis, desde as intelectuais até as afetivas, e com inúmeras possibilidades de amar.

Sim amar. Ame aquilo que você traz em si, sejam questões infinitas ou repostas confusas, ame e reconheça, aprenda e trabalhe com elas, seja seu maior aliado. Ame o ignorante que te destrata, ele é ainda é uma criança e precisa ser educado. Ame tudo que existe ao seu redor, exercite-se cada dia no sentido de buscar esse amor. E ame a si mesmo, antes de qualquer coisa. Não um amor egoísta que só percebe a si, mas o que por enxergar e aceitar-se, torna-se expansivo e universal.

Nenhuma existência, por mais que em algum momento possa parecer pesada, é em vão. São passagens para aprender, crescer e evoluir.

Finalizando, mas não menos importante, deixo um pensamento de Gandhi para reflexão: “Seja a mudança que você quer ver no mundo.”

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