quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Histórias de Vida XI - “Você gosta de homens ou de mulheres?” por James H.


“Você gosta de homens ou de mulheres?” é uma pergunta que me perseguiu por todo o Ensino Médio. As meninas, principalmente, chegavam em bando na hora do recreio pra me fazer essa pergunta. Não que elas quisessem dividir comigo assuntos de paquera ou a última fofoca do “gato” do colégio. Elas queriam saber se eu era lésbica.

Infelizmente para elas, minha resposta sempre foi “não sei”. E eu não estava mentindo. Durante a maioria dos meus anos de adolescente eu realmente não sabia.

Eu sentia a pressão dos outros pra admitir que eu gostava de meninas (porque todos concordam que uma garota que anda vestida de menino e gosta de coisas de menino só pode ser lésbica, certo?), e até tentava forçar uma fantasia ou outra, mas nunca rolava. Não sentia nada por meninas. E naquela época, nem por meninos.

Pouco tempo antes de fazer dezoito anos eu fui para a Escócia fazer faculdade. Enquanto estava no Brasil, já tinha me revelado como trans para alguns amigos mais próximos (e essa revelação deve ter soado como a confirmação da minha “sexualidade”. Eu não era lésbica, afinal, mas um homem hétero). Aqui na Escócia eu fui aos poucos assumindo a minha identidade masculina e aumentando a minha certeza de que eu estava finalmente fazendo a coisa certa.

Foi durante uma pesquisa para um trabalho de sociologia no meu primeiro ano que eu encontrei por acaso a prateleira da biblioteca com livros sobre sexualidade. Entre vários títulos interessantes, achei um em cuja capa estava escrita a palavra “SEX” em letras maiúsculas, chamativas, e que ocupavam um terço da capa. Havia também uma imagem erótica qualquer no pano de fundo. Não preciso dizer que esse livro logo me chamou a atenção, e eu parei a minha pesquisa pra folheá-lo.

E não é que naquele livro tinha um capítulo sobre transgêneros?

O capítulo continha duas informações que agora eu tenho até vergonha de admitir que não sabia, mas que na época eram realmente novidade. A primeira era que um transhomem que gosta de mulheres é hétero, assim como uma transmulher que gosta de homens é hétero. A segunda era que pessoas trans também podiam ser gays, lésbicas e bisexuais, como qualquer outra pessoa (e dizia o livro que na verdade nós somos ainda mais “propensos” a ser não-hétero do que o resto da população).

Foi aí que a ficha caiu.

Eu não precisava me forçar a gostar de garotas para ser trans. Eu podia gostar de homens também... e aquela porta metafórica se abriu, e eu percebi que realmente gostava de homens, mas que havia passado todo esse tempo com medo de admitir isso e reforçar o argumento daqueles que diziam que eu estava passando por uma “fase” e que logo ia mudar de idéia.

Foi uma grande descoberta, e eu senti um grande peso ser tirado dos meus ombros. Eu gostava de homens. Eu gostava de homens! E agora eu podia dizer isso abertamente.

Mesmo assim, eu não consegui me identificar como gay. Por mais estranho que pareça, uma vez que eu não sentia mais a pressão de ter que gostar de garotas, eu percebi que algumas delas até que me atraíam um pouco. Aquelas que não usam maquiagem, não se depilam, não usam roupas super-curtas e super-caras e não se importam de não fazerem parte do ideal da feminilidade me chamam a atenção. Também gosto daquelas que não tem nem peito nem bunda, o que pra mim é um reflexo de como eu me sinto com relação ao meu próprio corpo. Se eu não consigo me olhar no espelho por causa desses peitos e bunda, como é que eu posso admirá-los no corpo de outra pessoa?

Notem que eu não disse nada sobre os genitais. Isso porque eu não tenho problemas com os meus. Claro, preferia muito mais ter nascido com um pênis, mas já que as coisas não são como eu gostaria, não acho que valha a pena arriscar as sensações lá de baixo para criar um (e também acredito que nossa masculinidade está na cabeça, não entre as pernas – se assim fosse os coitados que sofrem acidentes nas partes baixas teriam que automaticamente trocar de sexo).

Hoje eu evito me identificiar como “gay” ou “bisexual”. Acho ambas opções limitadas, pois “gay” exclui as mulheres, e “bisexual” exclui qualquer um que não seja homem ou mulher, como os andrógenos, terceiro sexo e até mesmo alguns trans que se consideram “no meio do caminho” durante sua transição. Em matéria de relacionamentos, eu quero me manter aberto. Aos quase 21 anos sei que sou sexualmente atraído por homens que não são exatamente “machos”, por mulheres que não são muito femininas e pelo que está no meio disso. Cheguei a considerar o termo “pansexual”, mas para certas pessoas isso significa não só gostar de todas as pessoas, mas gostar de todos os seres, e uma das poucas coisas que eu tenho certeza é que eu não quero ter relações íntimas com a minha gata de estimação... Por isso eu não uso rótulos para me identificar. Eu sou eu, e eu me sinto atraído por pessoas interessantes, não importa em que corpo elas venham (embora elas apareçam com mais frequência em corpos masculinos e eu procure com muito mais frequência os corpos masculinos).

Então tá! Uma vez que eu esclareci as minhas dúvidas sobre a minha identidade sexual, estou pronto sair por aí e experimentar, certo?

Errado.

Eu posso não me importar com o que tenho entre as pernas, mas será que os outros não se importam também? Homens gays, por exemplo, não são teoricamente todos apaixonados por pênis? O que eu vou fazer então?

A resposta mais óbvia talvez seja procurer pelos homens que são bi. Tentei isso já. Encontrei uma pessoa pela internet. Nós conversamos no MSN, nos encontramos pessoalmente e transamos algumas vezes. Ele me chamava pelos pronomes certos e fora da cama me tratou como qualquer outro cara. Mesmo assim, na hora do vamos ver parecia que ele me tratava como mulher. Não sei se era isso mesmo ou se eu estava imaginando coisas, mas foi assim que eu senti, e por isso não consegui aproveitar tanto assim nossos encontros.

Esses são os meus dois grandes desafios como transhomem que se sente atraído por homens: encontrar um homem que goste de homens e que queira ficar comigo, e encontrar um homem que eu sinta que está me tratando como igual. Infelizmente, a minha natureza tímida e anti-social não me ajuda muito a procurar esses homens. Eu já ouvi histórias de outros trans que encontraram parceiros do mesmo sexo e são felizes com eles, então eu não perdi as esperanças, mas ainda assim acho que não vai ser fácil.

Estou tomando hormônio há cinco meses. Dou graças a Deus que não tenho um pênis de verdade, ou provavelmente teria trocentas ereções por dia. Tenho alguns sex toys, e os uso com certa frequência. Em 95% das minhas fantasias eu sou o passivo. Em 3,5% estou com uma garota (eu tendo um pênis de verdade e ela, um strap-on) e apenas nos outros 1,5% eu “fico por cima” de um outro cara. Não nasci pra ser top e não acho que isso me deixe menos “macho”, nem que isso “invalide” meus sentimentos de trans.

Sou um homem com um mini-pênis (clitóris) e um buraco a mais lá embaixo, mas sou homem. E estou procurando por outros homens (e mulheres/outros) que não se importem com isso.

James H.

Um comentário:

  1. interessante que as pessoas as vezes não sabem que FTM não tem que gostar necessáriamente de mulher assim como MTF não precisa gostar de homem, pois isso não os faz "menos" transexuais que outros. eu também não sabia que não precisava gostar de mulheres, e só descobri isso depois de um tempo (recente, aliás). me identifiquei muito com a história.

    a propósito, adoro o blog. muito bom. =)

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