quinta-feira, 17 de abril de 2008

Histórias de Vida III


São “André” de Assis

A minha história começa quando a minha mãe descobriu que estava grávida. Ela tinha apenas 17 anos e engravidou antes da hora. Apesar de todos os percalços ela assumiu aquela gravidez com coragem e determinação. Durante a gestação ela por várias vezes foi indagada quanto ao nome da criança. Sempre em alto e bom tom dizia que seu filho se chamaria André. Passaram-se os meses e num domingo, dia das mães, eu nasci.

Lá estava o filho esperado, só que em um corpo de menina. Os anos foram passando e fui criado como qualquer menina seria: brinco, lacinhos no cabelo, vestido. Tudo como manda o figurino. A partir de 3 - 4 anos comecei a me rebelar: pedi para tirar o brinco, não aceitava mais vestido, não deixava prenderem o meu cabelo e queria viver solto como um garoto.

Meus familiares não interferiram e fui crescendo achando que seria um garoto. Quando fiz 7 anos ganhei uma boneca de uma tia. Simplesmente a devolvi e pedi para trocarem por um carrinho. Lembro que todos me olharam perplexos. Minha mãe interferiu e fez eu pedir desculpas e aceitar a boneca. Foi a última vez que quis festa de aniversário.

A partir dessa data comecei a me isolar do mundo. Vivia duas vidas: uma que eu sabia que era a verdadeira, onde eu era o moleque que andava de bicicleta, corria sem camisa pelas ruas e aprontava mil e uma coisas. Na outra eu era a filha bem comportada que ia bem na escola.

Pararam as cobranças e a medida que o tempo passava acentuava-se a minha vida dupla. Foi assim durante o resto da minha infância, adolescência e início da vida adulta. Eu me considerava uma aberração. Enquanto minhas amigas assistiam Lagoa Azul e ficavam babando no ator, eu babava, mas na atriz.

Com 13 anos consegui cortar meu cabelo pela primeira vez. Vi aquele garoto dentro de mim aflorar. Passei a olhar no espelho e gostar de minha aparência.

Só que alegria de pobre dura pouco e de repente algo começou a crescer no meu peito e menstruei pela primeira vez: esse dia chorei muito. Minha Vó pensava que eu estava com cólica, mas eu acabara de confirmar o que minha mãe tinha falado: “virei mocinha”. Nessa época conheci a Rosana. Ela era como eu. Ficamos amigos e aprontamos muitos juntos. Infelizmente me mudei e perdi contato com “ela”.

Durante toda a adolescência nunca namorei e a minha vida passou a ser dedicada ao estudo e aos meus cães. Com eles eu me abria e nunca sofri preconceito. Resolvi fazer faculdade. Escolhi um curso que mexia com animais.

Foi ótimo a minha saída de casa. Conheci pessoas que me tratavam bem independente da minha aparência. Me destaquei desde o início e na formatura recebi convite para fazer mestrado. Aceitei sem hesitar pois iria ganhar bolsa e não teria de me expor procurando emprego.

Antes de terminar o mestrado comecei a dar aula em uma universidade, onde estou até hoje. Foi difícil eu entrar na sala de aula, mas consegui e me realizei profissionalmente. Resolvi continuar os estudos e em uma aula de Reprodução Animal a professora comentou sobre transexualismo. Vi que me encaixava naquele perfil e descobri que não estava sozinho no mundo.

Hoje tenho 34 anos, fiz a mastectomia e aguardo para fazer histerectomia. Meus familiares me aceitaram super bem, apesar de ainda trocarem meu nome constantemente. Profissionalmente continuo trabalhando com o nome feminino, pois corro o risco de ser processado por falsidade ideológica.

Sou casado com uma mulher que amo muito e que me dá o maior apoio em tudo o que pretendo fazer. Sem ela já teria desistido. Quanto aos amigos tenho poucos mas a maioria deles me aceitaram. Essa é parte da minha história, de sofrimentos, angústias, mas de muitas esperanças de que a medicina consiga me tornar no homem que sempre sonhei e de que a justiça permita que eu me assuma como um homem, possa casar legalmente, ter filhos, enfim, constituir uma família de verdade.

Texto escrito por André


Obs: Caso as pessoas que escreveram esses textos queiram que os mesmos sejam retirados do blog, é só entrar em contato comigo por email.

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