domingo, 13 de junho de 2010

Casada e com filhos, Thaís mudou de corpo.




Apoiada pelo marido, ela fez operação em 2001; hoje, há 350 pessoas na espera só em São Paulo

06 de junho de 2010 0h 00

Paulo Sampaio - O Estado de S.Paulo

Se as mulheres adoram falar sobre fantasias amorosas impossíveis, a enfermeira transexual Thaís Alves dos Santos, de 50 anos, pode dizer que nunca teve problema com a realidade. Vivendo há 28 anos com o chefe de cozinha Manoel Alves dos Santos, de 45, Thaís conseguiu um parceiro que a assumisse socialmente, criasse com ela seus dois filhos e ainda continuasse apaixonado depois da cirurgia de mudança de sexo. "Não vejo diferença", diz Manoel, como se a mulher tivesse mudado apenas o penteado. Thaís se submeteu à cirurgia em 2001, depois de 19 anos morando com ele.

Ao todo, foram oito anos de terapia, 12 horas na mesa de operação e sete meses esperando o trâmite para oficializar a mudança de nome. Então, Thaís, nascida Jailton dos Santos, casou-se em 2003 com Manoel.

Um dos padrinhos foi o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do ambulatório de transtorno de identidade, de gênero e orientação sexual do Hospital das Clínicas. Saadeh acompanhou Thaís desde sua chegada, em 1993. Ele conta que, no momento, há dez pacientes prontos para a cirurgia. "Alguns estão esperando há dez anos."

Assim que chega ao HC, o candidato tem de passar por uma triagem, para ver se é mesmo um caso para cirurgia. A equipe é composta por psiquiatra, psicólogo, endocrinologista e cirurgião. "Cerca de 20% são descartados logo de saída, porque deixam dúvidas se estão mesmo preparados. Existe uma diferença entre o travesti e o transexual. O primeiro não tem problema com o corpo biológico. Não é caso para cirurgia. O outro, sim, chega a ignorar o próprio órgão sexual."

Thaís e Manoel eram virgens quando se conheceram, em uma partida de futebol disputada por amigos comuns. "Nasci no interior de Sergipe, na roça mesmo. Não conhecia o sexo quando me apaixonei por ela", diz ele.

Uma amiga de Thaís acusou a paquera: "Aquele baixinho está de olho em você." Logo vieram contar a Manoel, 1,65m, que Thaís, 1,80m, "era homem". Inexperiente com ambos os sexos, ele não moralizou a atração. "Gostei dela sem maldade."

Fila. Desde 1998, foram feitas 32 cirurgias de mudança de sexo no HC, uma média de duas por ano, segundo a endocrinologista do ambulatório de transexualismo, Elaine Costa. Ela diz que foi uma vitória conseguir entrar na fila da sala de cirurgia, junto com a urologia. "Imagina quantas cirurgias urológicas são feitas ali. A de mudança de sexo ainda é considerada eletiva", diz. Uma cirurgia em um hospital particular custa em torno de R$ 20 mil.

Segundo Elaine, há 350 pacientes procurando o ambulatório no momento. Ela atende uma vez por semana, entre 11h e 13h. Depois da preparação psicológica, o paciente passa por um tratamento de reposição hormonal.

Com a tranquilidade de quem já passou pelo pior, Thaís e Manoel contam cenas do passado barra-pesada, em salas de espera de consultórios, quando ele precisou se apresentar como Jailton, para evitar constrangimento para Thaís. "Eu entrava, explicava ao médico a situação, e ele a atendia", lembra.

O panorama em relação à cirurgia melhorou desde que a Secretaria de Estado da Saúde passou a investir no Centro de Referência e Treinamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (CRT-DST-Aids), uma das principais portas para transexuais em busca de tratamento. A coordenadora do programa, Maria Clara Gianna, conta que está formando uma estrutura, com a ajuda da equipe do HC, mas ainda não tem centro cirúrgico.

Manoel afirma que nunca teve dúvidas a respeito de sua masculinidade. "Deus me livre me casar com gay!", adianta-se Thaís, em "defesa" do marido.

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100606/not_imp562240,0.php

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