quarta-feira, 30 de junho de 2010

Os desafios jurídicos na proteção dos transexuais - Parte 3.


3. Cirurgia de adequação sexual

3.1. O procedimento cirúrgico

A primeira cirurgia de adequação sexual, feita no Brasil, foi realizada pelo Doutor Roberto Farina no paciente Waldir Nogueira. “O transexual havia sido examinado por conceituados médicos, tendo todos, por unanimidade, diagnosticado ser o interessado um transexual primário, aconselhando-o a submeter-se à cirurgia de mudança de sexo como a única terapia indicada para o caso. Realizada a cirurgia, com pleno êxito, pelo Dr. Roberto Farina, tendo ocorrido a redesignação sexual do paciente”. (16)

Todavia, o procedimento cirúrgico rendeu ao cirurgião um processo criminal por lesão corporal. Condenado em primeira instância, o médico foi absolvido pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por votação majoritária. O Tribunal deu provimento ao apelo, pois entendeu que “não age dolosamente o médico que, através de cirurgia, faz a ablação de órgãos genitais externos de transexual, procurando curá-lo ou reduzir seu sofrimento físico ou mental. Semelhante cirurgia não é vedada pela lei, nem pelo Código de Ética Médica”. (17)

Cabe ressaltar que essa cirurgia não é modificadora do sexo, é, apenas e tão somente, uma cirurgia de adequação sexual, que visa a reajustar o sexo biológico ao psicológico do indivíduo e, sobretudo, visa a diminuição do sofrimento pelo qual passam os transexuais (18).

Assim, a intervenção cirúrgica possui, nitidamente, caráter terapêutico, não há que se falar, portanto, em lesões corporais. Não há dolo, a conduta é atípica. Ademais, o paciente consente com a realização do procedimento cirúrgico. Fato que descaracteriza completamente o caráter ilícito da cirurgia.

Corroborando para esse entendimento, o art. 51, do Código de Ética Médica apregoa que "São lícitas as intervenções cirúrgicas com finalidade estética, desde que necessárias ou quando o defeito a ser removido ou atenuado seja fator de desajustamento psíquico”.

Em 10 de setembro de 1997, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução de número 1.482/97 (19), a qual autorizou a título experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualidade. A Resolução permitiu que as cirurgias fossem praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa. Além disso, a supracitada resolução estabeleceu que a definição de transexualidade observaria alguns critérios definidos, quais sejam: desconforto com o sexo anatômico natural; desejo expresso de eliminar os genitais, ou seja, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; ausência de outros transtornos mentais. Regulamentou, ainda, que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo seria feita por meio de avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social, após dois anos de acompanhamento conjunto.. O paciente deve ser maior de 21 (vinte e um) anos e não pode possuir características físicas inapropriadas para a cirurgia. Assim, somente com o diagnóstico médico de transexualismo proferido pela junta de profissionais é que o transexual poderá realizar a cirurgia.

Com essa conquista, já não se torna necessária a autorização judicial para a realização da cirurgia. Sedimentou-se o entendimento de que a cirurgia é lícita e de que deve ser realizada diante da necessidade do tratamento, após a comprovação da patologia.

Consolidando tal entendimento, o ilustre Magistrado José Henrique Rodrigues Torres proferiu, em 14 de outubro de 1997, sentença autorizando a realização de cirurgia de mudança de sexo. Fundamentou a decisão nos artigos 5º, inciso III, 6º e 196 da Constituição Federal, no artigo 3º do Código de Processo Penal, nos princípios gerais de direito, nos princípios da jurisdição voluntária e nos artigos 1.104 e seguintes do Código de Processo Civil.

Em 06 de novembro de 2002, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1652 (20), que complementou a resolução anterior, autorizando a realização de cirurgia de adequação do fenótipo masculino para o feminino em hospitais públicos ou privados independente da atividade de pesquisa.

Assim, a neocolpovulvoplastia (cirurgia de adequação do sexo masculino para o feminino) poderá ser feita em qualquer hospital, público ou privado, mesmo que não haja atividade de pesquisa. Contudo, a autorização para a realização da neofaloplastia (cirurgia de adequação do sexo feminino para o masculino), é limitada aos hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa. Os interessados em realizar a cirurgia de transgenitalização deverão receber acompanhamento de equipe composta por médicos psiquiatras, psicólogos e assistente sociais, por um prazo de dois anos.

Do mesmo modo que a resolução anterior, somente após o período de dois anos, será expedido um parecer médico, o qual apontará a necessidade ou não da cirurgia. Para emitir o parecer, os médicos analisarão o desconforto que o paciente tem com o sexo anatômico natural, se há desejo expresso de eliminar os genitais e se o paciente não possui outros transtornos mentais. Esse procedimento é indispensável, pois somente a vontade livre e consciente do paciente não é suficiente para a realização da cirurgia, já que esta é irreversível. Vale lembrar que a cirurgia de transgenitalização é altamente complexa e, requer acompanhamento de equipe multidisciplinar não somente no pré-operatório, como também, no período que sucede a cirurgia.

Continua...

Fonte: http://www.iedc.org.br/REID/?CONT=00000058

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