quinta-feira, 20 de março de 2008

Desculpas Esfarrapadas

Uma das coisas que transexuais mais precisam aprender a ter é jogo de cintura e um pouco de cara de pau. Por mais que estejamos aceitando e lidando com essa peculiaridade, não é a todo o momento, nem para toda pessoa que há a necessidade de se dizer que se é transexual. Isso sucita a explicar o que é ser transexual, e não é todo dia que estamos no pique de entrar em tantos detalhes assim. É bom ter o direito de escolher como, quando e para quem você abre o jogo.

É com base nisso que se torna necessário a invenção de algumas desculpas esfarrapadas para escapar de algumas saias justas, ou somente por educação. Desculpas estas que serão usadas, seja pelo andrógino com cara de menino de 13 anos do começo da transição, ou pelo barbudo de voz grave lá do final.

As mais comuns são básicas como perdi a certeira, perdi os documentos, fui assaltado e ainda não tive tempo de tirar segunda via. São boas para situações em que não mostrar a documentação não implica em maiores problemas, é apenas uma questão de pro forma, como ao entrar em uma academia, ir numa lan house, em um hotel ou preencher o cadastro em um hospital. Mas sempre lembre ao atendente que assim que possível você trará os documentos necessários ou pegará na mala, por exemplo.

Em situações como viagens, onde a apresentação da identidade é na maioria das vezes obrigatória, ou quaisquer outras em que seja quase uma necessidade mostrar a documentação, como compras com cartão de crédito, você pode dizer que seus pais fizeram uma promessa e acabaram colocando um nome feminino em você, mas que já está regularizando isso, ou acaso seja algo mais formal sair com sou igual a Buba da novela das oito (o povo adora novela e se lembra dos personagens, apesar da personagem em questão ser intersexual), ou em termos mais diretos sou igual à Roberta Close, mas ao inverso.

Existem aqueles casos que se espera nunca passar, como sofrer um acidente e ficar internado, ou mesmo ir parar em um PS sozinho, ficando a mercê de médicos e enfermeiros. Uma boa saída para banhos de esponja, ou ajuda mais íntima de enfermeiros, é que você tem vergonha por ter um problema de nascença na região genital. Dado a delicadeza da situação a pessoa fará o melhor possível sem invadir sua privacidade. No caso de estar impossibilitado de levantar do leito e oferecerem o “patinho” - objeto em hospitais e clínicas, em forma de bico de pato usado por homens para urinar sem se levantar - uma boa saída é dizer que sua fimose atrapalha a você urinar no patinho, ou que você tem um certo grau de desvio que provoca desconforto ao urinar nele. Por se tratar de uma questão de saúde, a pessoa provavelmente, vai buscar a “cumadre” para resolver sua situação. No pior das hipóteses peça para falar com o médico.

Agora em momentos onde é imperativo que você mostre a documentação, ou onde chequem, por exemplo, número de CPF, você pode dizer que confundiu com o da sua irmã, porque hoje em dia todo mundo tem milhões de números na cabeça, sair com a Buba, a Roberta ou falar a real.

A única situação em que ninguém quer ter de passar, ou deve no mínimo evitar, e durante uma batida policial, porque nesse caso, até se explicar que focinho de porco não é tomada, vai um longo caminho e muita sorte.

E sim as pessoas acreditam nas desculpas, por mais ridículas que elas pareçam. Tudo vai depender da sua postura e atitude ante os outros. Além do que, mantenha sempre o bom humor e a educação, não aja de forma carrancuda, ou como se estivesse comendo sobremesa escondido antes do jantar. Para qualquer situação um indivíduo, reticente, que demonstra certo desconforto é passível de desconfiança, já aquele que mantêm suas palavras, mesmo que soe estranho ao outro, tem grandes chances de escapar ileso do momento. Já se a pessoa partir para ofensas e ignorância, o melhor caminho é tomar outras providências legais cabíveis.

Vale lembrar que juntei algumas desculpas, muitas das quais usei, para dar uma noção do caminho que se pode seguir, mas que são apenas exemplos e que cada um pode, e deve, criar as suas, adequando ao seu estilo de vida, as suas necessidades e ao momento em que se encontra.

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